Amamentação e confusão de bicos

A confusão de bicos pode ser um processo doloroso para mãe e bebê, acontece em vários níveis, desde o fisiológico até o emocional, mostrando sinais muitas vezes difíceis de detectar, ou ignoradas até quando o processo chega a fases avançadas. Quanto mais tarde for detectada a confusão de bicos, maior será o trabalho necessário para recuperar a amamentação. Por isso, veja a seguir algumas considerações antes de decidir por dar a chupeta ou mamadeira aos seus filhos.

Não existem evidências que o uso de bicos artificiais traga benefícios à amamentação, porém, as evidências que eles são a causa de muitos problemas são abundantes. Não existe isso de quantidade segura, nem de idade certa para oferecer os bicos artificiais. Qualquer bebê em uso de chupeta, mamadeira, chuquinha ou que mama com bico de silicone está exposto à confusão de bicos. O bom é que, se descoberto a tempo , pode ser corrigido e a amamentação resgatada.

Foto por Anna Shvets em Pexels.com

A confusão de bicos é um fenômeno bem estudado há décadas, que afeta a saúde e desenvolvimento materno – infantil. Diversos estudos, desde a fonoaudiologia, odontopediatria e pediatria, mostram que o uso de chupetas e outros bicos artificiais são altamente prejudiciais para qualidade e duração da amamentação, alteram o natural desenvolvimento das estruturas ósseas e musculares da face do bebê, e são um fator determinante da aquisição de hábitos de respiração oral. Porém, apesar de ter ganhando visibilidade nos últimos anos, ainda é um tema ignorado por muitas mães que acham normal oferecer chupeta, mamadeira ou chuquinha, e   tristemente bastante desvalorizado por muitos profissionais. 

O que acontece na confusão de bicos?

Pois bem, quando o seu filho usa chupeta ou qualquer outro bico artificial ele usa para sugar esse bico uma musculatura diferente à usada na sucção ao seio e em detrimento dela. A musculatura que seu filho usa para segurar a chupeta é mais similar à musculatura que você usaria para assoviar, os músculos bucinadores são os mais trabalhados nesse caso, a língua fica atrás da gengiva quase sem função, apenas realizando movimentos de elevação para pressionar o bico contra o palato. Enquanto que,  ao mamar do seio o bebê usa a musculatura usada para mastigar e todos os músculos da língua, o que permite que tenha um movimento coordenado e complexo que leva à formação de vácuo e a projeção do bico do seio dentro da boca do bebê recebendo estimulo continuo para a ejeção do leite na região do palato mole.

Desmitificando a amamentação

A primeira consequência dessa grande diferença é a perda da pega correta e, paulatinamente, a perda da força da sucção ao seio (devido a perda do tônus da musculatura), o que se traduz em mamadas mais curtas, cansaço e sonolência durante a mamada, mamadas estressantes com muitas tentativas para acertar a pega, menor estímulo ao seio e por tanto diminuição da produção de leite materno. Com o tempo, se nada é feito, o uso da chupeta continua em aumento, já que pode aparecer irritação ou pedidos de mamadas mais frequentes (interpretados como cólicas e por tanto aumentando o uso da chupeta),  diminuindo ainda mais o estímulo do seio, chegando inclusive a comprometer o ganho de peso do bebê nas situações mais graves, com o que acaba se cedendo ao leite artificial e diversas tentativas fracassadas (algumas vezes perigosas) de aumentar artificialmente a produção de leite materno. Não obstante, a solução teria sido bem mais simples: melhorar a qualidade da amamentação tirando a chupeta e recuperando a tonicidade muscular, adequando a pega novamente e aumentando a frequência das mamadas.

A parte mais dolorosa da confusão de bicos acontece quando o bebê perde a associação emocional da amamentação. Substituindo na chupeta as sensações de conforto, consolo, proteção e segurança que deveria obter do seio da sua mãe. Muitos bebê nessa fase simplesmente param de adormecer no seio e choram para ter a chupeta para dormir, brigam quando a mãe tenta amamentá-lo e em fases tardias da confusão de bicos podem mostrar ânsia de vomito ao tentar mamar. Algumas mães interpretam isto como rejeição, mas acontece porque houve uma sensibilização precoce do palato mole devido ao uso contínuo da chupeta.

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Porcentagem de crianças que mantiveram a amamentação após a exposição à chupeta. Quadrados representam casos de introdução da chupeta antes das 6 semanas de vida, e círculos sólidos representam a introdução após as seis semanas de vida ¹.

 A loteria

Das crianças amamentadas que usam chupeta, apenas  40% chegam aos 6 meses de amamentação, nem 30% superam os 12 meses e menos de 12% superam os 15 m ¹. Então, para aquelas que perguntam se dá para amamentar usando chupeta? Posso lhes responder que até dá. Mas por quanto tempo seu filho irá tolerar essa situação? Não sabemos, a confusão de bicos é uma loteria, não existe garantia nenhuma que seu bebê fará parte dos 30 % de afortunados que conseguirão superar um ano ou dos  70%  de desafortunados que desmamaram precocemente.

Dar chupeta ou não é uma decisão de cada mãe, porém, não podemos mais fechar os olhos às evidências sobre o efeito negativo dos bicos artificiais sobre a amamentação,  sabendo as possíveis consequências, a escolha se torna realmente consciente. Se você optou por dar chupeta e/ou mamadeira por qualquer razão, e deseja manter a amamentação, então fique de olho nos sintomas da confusão de bicos e tome uma atitude antes que seja tarde. 

Referências:

Documento da sociedade Brasileira de pediatria: Uso de chupeta em crianças amamentadas: prós e contras. (2017)Disponível aqui

O efeito de bicos e chupetas no aleitamento materno . Jornal de Pediatria – Vol. 79, Nº4, (2003). Disponível aqui

Pacifier use as a risk factor for reduction in breastfeeding duration: a systematic review. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. vol.8 no.4 Recife Oct./Dec. (2008). Disponível aqui

Use of pacifiers and breastfeeding duration. Lancet. Feb 13;341(8842):404-6. (1993) Disponivél aqui

The Effects of Early Pacifier Use on Breastfeeding Duration. Pediatrics March, VOLUME 103 / ISSUE 3. (1999). Disponível aqui

Promovendo o aleitamento materno. Guia do Ministério da saúde e a UNICEF. Disponível aqui

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Texto de Zioneth Garcia.

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4 comentários

    • Olá Larissa, obrigada por seu comentário.
      A amamentação é algo que compete apenas a dupla mãe e bebê, assim as decisões que afetam essa dinâmica competem à mulher, já que, ao final é o seu corpo, seus seios que se encontram sendo disponibilizados para criança. O pai pode ter sua opinião, mas é o corpo da mulher e imperam suas decisões.

      Assim, apesar dos cuidados serem divididos, a labor do pai quando a mãe amamenta exclusivamente corresponde a de apoiar e oferecer o suporte adequado à amamentação (cuidando do bem estar da mulher para que a mãe possa se disponibilizar ao filho) , além dos outros cuidados.

      Por tal razão, a decisão de oferecer ou não a chupeta é da mulher. Já que ela diz ao respeito de uma dinâmica fisiológica do seu corpo, e não do corpo do homem. Nesse caso, ao pai só resta acolher e respeitar a decisão da mãe. Entender que a unica pessoa que decide sobre o corpo da mulher é a própria mulher está na contra mão do machismo.

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  1. Infelizmente há casos (como o meu) em que o pai e o restante da família querem introduzir os bicos artificiais a todo custo, afirmando que não atrapalha a amamentação e tal…
    Passei por situações de grande estresse ao retirar a chupeta da minha filha (com 1 mês e meio) no primeiro sinal de confusão de bicos; (introduzi a chupeta por pressão da família com um mês de idade dela)
    Ainda sofro julgamentos por isso (ela está com 6 meses e meio) e insistência para introduzir mamadeira à noite pra ela dormir “melhor”.
    Não é fácil pra uma mãe aguentar tanta pressão.

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