Reflexões de uma ex-dependente do leite artificial: o que ninguém nos conta.

A fórmula infantil é vendida para o público em geral como a solução mágica para muitas situações com o bebê. O bebê não dorme como você esperava? dá fórmula … não está gordinho como você sonhava? dá formula … papai precisa ajudar mais para mamãe poder descansar? fórmula… vai voltar trabalhar? dá fórmula, logo!… Não me entendam mal, sou consultora de amamentação e sei que existem casos nos que o uso da fórmula infantil pode ser necessário, ela existe para esses poucos e raríssimos casos. Porém, sendo bem sinceros, o quê vemos é uma banalização do uso da fórmula infantil, e isto acaba prejudicando a amamentação em ampla escala.

A sugestão de oferecer fórmula infantil  sem real necessidade é o inimigo número um das mães que pretendem amamentar com sucesso e levar a feliz término a amamentação prolongada. Ela mina a autoconfiança da mãe, e atua quase como uma droga para mãe e bebê, causando dependência logo na primeira dose.

Preocupação com o ganho de peso e produção de leite materno

Durante a primeira semana de vida os bebês podem experimentar uma perda de peso de até 10%; assim, na primeira pesagem fora da maternidade, nós mães ficamos arrasadas, ainda pior se o pediatra sai com uma pérola como essa: “Mãe, o bebê não está ganhando peso, vou mandar fórmula de 3/3 horas para complementar a mamada”. Ele não diz diretamente, mas está lhe dizendo que seu leite é fraco, que é insuficiente para o bebê, que é melhor a lata de leite em pó do que seu peito. Ainda são minoria os pediatras que pedem para ver a pega, indicam ir ao banco de leite ou procurar uma consultora de amamentação. Muito ainda estão no time dos que assumem que você amamenta com a técnica correta e é seu leite que não serve.

Recorremos ao pediatra ou aos grupos de mães preocupadas porque “o peito não enche mais”, “o leite não está sustentando o bebê”, “ele não dorme direito e estou esgotada”, “ele chora muito, não sei mais o que fazer para fazer ele dormir”; então vem o conselho: incluir uma mamadeira de fórmula a noite para o bebê dormir “bem” e permitir seu descanso. Ninguém fala  que os bebês choram porque é a única coisa que nascem sabendo fazer, que nem sempre choro é fome, que eles também têm necessidades afetivas que são supridas no peito. Que apesar de dormir o dia todo eles cansam e no final da tarde é comum ter choro por cansaço. Que existem picos de crescimento (que não são poucos no primeiro ano de vida) onde é normal o bebê ficar irritável, choroso, solicitando peito mais seguido, com dificuldade para dormir; mas que isso passa, é uma fase temporária e esses picos onde o bebê solicita muito o peito existem justamente para aumentar a produção de leite materno para a próxima etapa de desenvolvimento do bebê. O peito nunca seca, o bebê sempre consegue tirar leite materno, mesmo do peito murcho. O leite materno é produzido no momento da mamada, mas nosso estado mental (ansiedade, estresse, preocupação) pode atrapalhar sua  ejeção, e então o bebê ter dificuldade ou fluxo reduzido. Alguém
 já lhe disse que você precisa relaxar? Saiba mais sobre a produção de leite materno

Foto por Viajero em Pexels.com

Noites mal dormidas

Quando a formula infantil é receitada como solução para as noites mal dormidas ela funciona mesmo no começo, o bebê fica estufado e dorme, já que toda sua energia é dirigida à digestão do leite artificial, que é muito pesado. Mas logo o bebê começa a acordar de madrugada novamente, vai mais uma dose do leite para que durma “bem” de novo. Você imagina comer feijoada de jantar e de madrugada todo dia e ir dormir? É assim que seu bebê fica. Vai por mim, não soluciona nada, é trocar seis por meia dúzia, troca a mamada de madrugada por levantar para preparar a formula infantil. Ainda, essa mamada que deixou de ser feita na madrugada é vital para manter a produção de leite materno equilibrada, o pico de prolactina é nesse horário, mas ao não ter estimulação deixa de ser produzido.

Ninguém nos diz que é normal o bebê acordar várias vezes na noite, que seu sistema neural ainda não está maduro o suficiente para ter um padrão de sono igual ao de um adulto (dormir 6-8 hs emendando o ciclo de sono facilmente) e que irá demorar até 3 anos para conseguir isso naturalmente. É claro que cada bebê é único e seu padrão de sono também. Mas, alguém lhe falou que o bebê deve dormir sonecas de pelo menos 1h para que não sofra de cansaço acumulado (efeito vulcânico do sono)? que a soneca no colo está valendo? que bebês adoram dormir juntinho da mãe porque assim se sentem seguros e relaxados? veja mais sobre o sono dos bebês

Dormir a noite toda
Consultoria de sono


Refluxo fisiológico ou alergia alimentar

Agora a moda está nas fórmulas especiais para bebês com refluxo e para bebês com alergia alimentar. Quando expressamos preocupação pelas golfadas e vômitos frequentes, e ouvindo tanto sobre refluxo, recebemos a sugestão da fórmula para bebês com refluxo, aquelas com AR no nome; raramente ouvimos que isso é normal, que há um refluxo fisiológico que não é doença, que faz parte de desenvolvimento normal dos bebês. São poucos os  que sugerem testar medidas posturais ou avaliar a dieta da mãe em busca de alimentos irritáveis. (veja como lidar com o refluxo gastroesofágico dos bebês e crianças )

Ainda, se o refluxo continua ou há novos sintomas, suspeita-se de alergia alimentar, sugerem-se as fórmulas especiais, para poupar a mãe de uma dieta restritiva; Mas esquecem  de nos contar que é melhor para o bebê continuar o leite materno exclusivo e que fazendo uma restrição alimentar adequada ele pode se desenvolver sem maiores problemas. Quando a mãe faz dieta adequadamente para manter a amamentação o prognóstico de cura é excelente, além de se poupar muito dinheiro de fórmula especial (que não é barata). A gente escuta apenas um “se você quer dar seu peito, vai ter que deixar de comer leite, soja, ovos e nozes”, porém, não nos explicam direito como, quando ou porque. E então a mãe faz a dieta, só que não sabe da existência de traços, que deve ler com atenção os rótulos dos alimentos, que deve excluir e testar um alimento por vez, e é claro que a dieta fracassa, o bebê não melhora o esperado e entra a fórmula especial para bebês com alergia alimentar.  Só que a maioria são a base de soja, e se o bebe for alérgico à soja? Não era para cortar a soja também?

Ninguém explica muito bem, mas o bebê pode não melhorar com a formula especial. O melhor mesmo é fazer dieta, que com um bom assessoramento (de gastro-pediatra ou alergologista) e atenção aos detalhes, para manter o aleitamento maternoA fórmula infantil é feita a partir de leite de vaca, usam leite de vaca reconstituído, ou seja, o soro com adição de açúcares, minerais e vitaminas artificiais. Não parece nada natural. Entre todos os leites do mundo animal o pior para oferecer à criança é o leite de vaca, ele é muito mais denso, gorduroso e cheio de proteínas de difícil digestão para o bebê humano. Um bezerro dobra de peso em um mês e o leite da vaca é feito para garantir que isso aconteça. Uma criança normal, sendo amamentada dobra seu peso em 5 -6 meses. O leite materno é mais aguado e é feito sob medida para cada bebê, tem tudo o que ele precisa. A fórmula infantil é cara, grande parte das vitaminas, e minerais contidos na lata deleite em pó vai pelo cocô e o xixi do bebê, ou seja, está jogando dinheiro fora em cada mamadeira. As formulas “AR” para bebes com refluxo funcionam porque elas viram uma massa compacta na barriga do bebe, não “curam” o refluxo, apenas dificultam a volta do alimento pelo tubo digestivo, pois são um mingau grosso que se gruda nas paredes estomacais e tem uma grande tensão superficial.

As fórmulas para bebês com alergia ao leite de vaca mais accessíveis são feitas a partir de soja, pode ser que o bebê continue com refluxo e até desenvolva sensibilidade à soja. Para outras alergias alimentares (incluindo a soja) as fórmulas são feitas com aminoácidos livres e são extremamente caras, em alguns casos o SUS fornece, mas após um processo bem burocrático e nada é garantido (pode ver que chega outubro e começam faltar na maioria de cidades).

Foto por Ksenia Chernaya em Pexels.com

A fórmula infantil afeta a mãe

A fórmula infantil interrompe a amamentação exclusiva, não é porque é leite que é considerado dentro do aleitamento materno exclusivo. Todos os tipos de leite artificial  têm efeitos secundários como qualquer medicamento. Pode causar em qualquer bebê intestino preso, gases, aumento do volume estomacal e aumentar a propensão à obesidade  infantil; na mãe pode causar sensação de impotência, baixa autoestima, afetar o vinculo mãe-filho, agravar quadros de baby blues ou depressão pós-parto, diminuição da oferta de leite materno e especialmente causar um desmame precoce.

Quem indica a fórmula infantil geralmente esquece de nos advertir  que quanto mais leite artificial  você oferece ao bebê, mais  vai precisar. A produção de leite materno depende da quantidade de hormônios no seu corpo, principalmente prolactina e ocitocina, que são produzidos só quando há estimulo suficiente, ou seja, a sucção do bebê e o contato com o bebê. Eu encaro o leite artificial como uma droga que afeta mãe e bebê, já que a cada mamada com leite artificial, é uma mamada ou mais sem o estímulo suficiente no peito, o que se traduz em uma mamada com leite materno reduzido. A dependência aparece logo na primeira dose, seja pela solução mágica que parecem ter nos fornecido para dormir o bebê, pela certeza de saber que o bebe está tomando pelo mínimo X mL de leite, pela tranquilidade de não ouvir mais choro pela casa, ou até mesmo pela possibilidade do papai ou qualquer outra pessoa poder oferecer o leite, para enquanto isso você descansar. Se você continua a oferecer o leite artificial encantada pelos “benefícios”, logo descobre que deve acrescentar outra dose de leite em pó em outro horário, e logo outra, e outra. O que era para ser complementar virou o principal.

Sei bem como é porque já andei por ai.  Começar é fácil, é só comprar em qualquer mercado ou farmácia, ninguém ira lhe indagar sobre suas razões para oferecer a formula infantil, apenas deve seguir as instruções na lata e dar em mamadeira, copinho, colher etc. O que não contam é que sair dessa dependência é difícil, que colocará à prova sua determinação e paciência, que o processo é gradual, lento e cheio de altos e baixos emocionais. O bebê irá passar por um período de transição no qual o volume estomacal deverá gradualmente voltar ao volume normal, deverá aprender que o estufamento não é normal, ele precisará aprender reconhecer seus próprios sinais de satisfação, e controlar suas próprias refeições.

Quando for ao pediatra lembre que ele atende muitas crianças ao dia, ao mês, ao ano! Ele não vai lembrar de todas as particularidades de seu filho, ele lembra o que escreveu na última consulta, e atuará de acordo com suas reclamações, ele tem que acreditar no que você conta para ele, já que o bebê não fala. Precisamos ser conscientes que muitas vezes, no nosso coração de mãe vemos problemas enormes onde não os há, exageramos ou dramatizamos demais uma situação que pode ser normal, apenas por desconhecimento do que é normal. Se além de tudo tivermos uma rede de apoio desinformada, a situação piora, e o pediatra faz uma sugestão de solução “leite artificial ; ele não dá ordens, ele não compra a lata de leite em pó e obriga o bebê a tomar, cabe a nós como mães decidir o que fazer com nossos bebês. Oferecer a fórmula infantil sabendo das consequências ou continuar na amamentação exclusiva. Isso é decisão só nossa. 

E mesmo que a fórmula infantil seja sua opção, não se sinta mal por isso, o amor de mãe não se qualifica pelo tamanho do bico ou tipo de leite que seu filho toma, há tanto amor envolvido no seio quanto na mamadeira. Você é a melhor mãe para seus filhos, sempre!

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Editado e atualizado maio de 2020

 

12 comentários

    • Isso é ótimo querida, é para esses casos que existe a fórmula infantil, e tenho certeza que você é uma excelente mãe. Veja que em nenhum momento no texto se qualifica a mãe que oferece fórmula, pelo contrario. Tenho muita consideração pelas mães que alimentam seus pequenos oferecendo fórmula infantil, até porque eu mesma precisei usar esse recurso. Sei o trabalho que dá, como é cansativo ter que levantar no meio da noite fazer mamadeira, coisas que normalmente não se falam.
      O problema está justamente na banalização, em usar quando não há realmente necessidade, em achar que será “a solução” para situações que podem ser abordadas de forma diferente, o problema está em não falar às mães que amamentam o que pode acontecer com a amamentação após a introdução da fórmula.
      Essa historia de culpa materna precisa ser abolida, maternidade não se qualifica nem se mede pela forma que trouxe seu filho ao mundo ou como lhe alimenta. Há tanto amor envolvido no seio quanto numa mamadeira no colo.
      Sou consultora de amamentação sim, mas também sou consultora de sono e faço muitos acompanhamentos de mães que usam exclusivamente fórmula. Mãe é mãe, o amor é o mesmo.

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    • Que comentário tosco. Eu não consegui amamentar como sonhei pelos motivos descritos no texto acima. Reconheço tudo acima pois vivi igualzinho. Reconheço o quanto não tive ajuda. Hoje muito mais informada, tento ajudar as outras mães a não passarem o mesmo que eu passei. A não cometerem os mesmos erros que eu cometi e por isso meu filho rejeitou o peito com 4 meses devido a ter dado mamadeira sem nenhuma necessidade . Quando na verdade o que eu precisava era amamentar corretamente e em livre demanda.

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    • Mariana nesse caso precisa orientação do pediatra ou nutricionista infantil. Se por qualquer razão a amamentação é suspensa antes dos dois anos, é importante garantir o adequado aleitamento e alimentação da criança. Adicionalmente, também é muito importante garantir a satisfação da necessidade de sucção oral.
      O desmane, mesmo sendo gentil, se feito abaixo de dois anos, consiste de uma substituição da sucção oral ofertada no seio por sucção oral em outras fontes (bicos, dedo, unhas…), já que a criança ainda esta na fase que o principal mecanismo de conforto, manejo de estresse e estabilização emocional continua sendo a sucção.

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  1. Minha filha mamou fórmula no primeiro mês, até aprender a fazer a pega.

    Hoje acho que nem previsava, mas na época ficamos muito preocupados com a perda de peso dela.

    Foram as idas ao banco de leite e núcleo de apoio à Amamentação que me ajudaram.

    Eu teria desistido se não fosse a insistência do meu marido. Hoje minha bebê mama bem.

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  2. Excelente texto. Parabéns. Estudo cada fase do meu filho e vejo que é exatamente assim. Muitas vezes as mães nao entendem as fazes do filho e são levadas como uma onda com os interesses da industria. Agradeço a Deus pelo excelente pediatra que ele colocou em meu caminho e a pessoas com vocês que esclarecem e orientam da forma correta. Infelizmente vou precisar dar o LA por causa do trabalho e nao tenho como armazenar o materno. Mas vão ser 4 meses exclusivos de leite materno e sempre que meu bebê quiser vou dar, mesmo introduzindo outros alimentos.
    Deus abençoe vcs

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    • O texto é direcionado às famílias que desejam manter a amamentação e como eu acabaram entrando na Fórmula de forma precoce, sem orientação adequada acreditando ser solução de dificuldades.

      A Mãe que tem dificuldades na amamentação , que não tem leite como vc menciona precisa a orientação e ajuda para determinar e corrigir as causas do problema. O que é feito por consultoras de amamentação, fonoaudiologia e pediatria. O texto aponta justamente como o uso da fórmula pode ser banalizado e pode prejudicar a lactância sem a mãe perceber.

      Se realmente não há condições para aleitamento materno a fórmula é a alternativa mais segura. Quem não amamenta precisa oferecer ao seu bebê a opção mais segura: a fórmula infantil, nisso não existe nenhuma discussão entre os profissionais. Porém, qual é a mais adequada ao seu filho deve ser avaliado com o pediatra, quem também deve orientar o uso adequado. Na falta, o fabricante do produto oferece informações sobre preparo, dosagem recomendada e contraindicações, da mesma forma que se orientá uso de medicamentos e outras substâncias.

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  3. Comecei a dar formula ainda na maternidade, pois a pediatra disse q o bebê estava com baixo peso, e o que começou como complemento virou prato principal. Hoje ele briga com o peito, chora quando tento dar, não forço, mas dou uma insistida e ele mama por uns 5 minutos, me sinto uma péssima mãe por isso, ter deixado ele entrar nessa dependência. Não sei se consigo reverter essa situação,me sinto muito mal,fico achando que ele não faz cocô todos os dias por minha culpa. Ai gente, desculpa pelo desabafo…

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