Cuidados com o sono de crianças atípicas

Se o sono é uma preocupação para as mães e pais em geral, onde picos de crescimento e fases de desenvolvimento se tornam desafios constantes. Para as mães e pais de crianças atípicas o desafio pode ser ainda maior. Alterações fisiológicas associadas às particularidades do desenvolvimento do seu sistema neurológico podem trazer alterações no mecanismo regulador do sono dos pequenos. Quando falo de crianças atípicas, tendo incluir todas alterações de desenvolvimento neurológico e motor. Incluindo crianças com paralisia cerebral, microcefalia, transtorno do espectro autista, transtornos de percepção sensorial, entre outros.

Cada pessoa percebe o mundo de forma única, cores, sabores, cheiros, sons, texturas, pressões, forças,  são experimentados de forma diferente por cada indivíduo através de seus sentidos: visão, audição, olfato, paladar, tato, equilíbrio. Mas é através da convivência social que chegamos num consenso  sobre esses estímulos ambientais, permitindo que nosso sistema neurológico processe a informação de forma que possamos nos comunicar com nossos semelhantes. Todos concordamos que sobre a cor vermelha, verde ou azul, gostando ou não, sabemos quais elas são. Sabemos quando um barulho está alto demais ou baixo demais, graças a convenções sociais, mas podemos ter diferentes níveis de tolerância à intensidade do som, uns gostam e preferem a musica alta, para outros volume alto é irritante e desfrutam melhor a musica em volume baixo. 

Foto por Aa Dil em Pexels.com

Quando o sistema neurológico apresenta imaturidade, dificuldades ou alterações no seu desenvolvimento, a habilidade de processar e organizar as informações recebidas do ambiente pode ser alterada. Uma reação excessiva (hipersensível) ou insuficiente (hiposensível) aos estímulos sensoriais no ambiente, pode ser indicador que o sistema neurológico não está conseguindo processar e organizar as informações sensoriais de forma adequada, seja pela imaturidade ou por particularidades no desenvolvimento. A consequência será dar respostas inadequadas, podendo ter crises de choro, gritos, violência e estresse. Essas respostas não adequadas, com o tempo e repetição, podem resultar em déficits de aprendizagem ou distúrbios específicos de percepção, coordenação motora, linguagem dentre outros.

Já percebeu como o balanço constante é uma ferramenta quase instintiva para acalmar e adormecer uma criança irritada que chora muito, esse movimento constante e repetitivo também costuma acalmar crianças atípicas. Ele estimula o sistema vestibular (responsável pelo equilíbrio), desestimulando os outros sistemas sensoriais (visão, audição, etc) permitindo que a criança se desligue do seu entorno, daqueles estímulos que a deixam alterada e enfim consiga relaxar.  

A organização do ciclo circadiano, o relógio biológico interno, que organiza nosso metabolismo, também é  mediado, entre outras, pela capacidade do nosso sistema neurológico perceber as mudanças de luz e outros estímulos no ambiente. Essas mudanças ambientais disparam respostas bioquímicas que sinalizam a cada sistema e cada órgão de nosso corpo sua função acordo a hora do dia. Crianças deficientes visuais, onde o sistema de percepção da luz está danificado, podem ter problemas para regularizar a produção cíclica de cortisol e melatonina, mostrando em consequência dificuldades para dormir em horários regulares.

Foto por Tatiana Syrikova em Pexels.com

Qualquer alteração que interfira no mecanismo neurofisiológico cortisol/melatonina, que regula o relógio biológico, pode alterar o sono da criança.  A seguir alguns pontos importante ao avaliar o sono de crianças atípicas que pais e profissionais devem considerar na hora de realizar qualquer tentativa para melhorar o descanso familiar:

1- Conhecer o tipo de alterações neurológicas e o perfil sensorial, identificando se são plausíveis de alterar a produção cortisol ou melatonina, situações que possam alterar hipófises, glândula adrenal ou glândula pineal são criticas. Qual é o perfil sensorial da sua criança? ela apresenta hipersensibilidade ou hiposensibilidade a quais estímulos? O perfil sensorial é único, conhecer bem quais estímulos deixam a sua criança agitada ou calma, e qual é a intensidade que geram efeito, vai ser muito importante para planejar o manejo do estresse. O estresse gerado pela intolerância a um certo tipo de estímulos pode afetar a rotina, aumentar os seus níveis de estresse (cortisol) e em consequência prejudicar o descanso, ao mesmo tempo situações que oferecem calma podem ser ferramentas para ajudar a criança compensar o estresse do dia. É muito importante tratar cada criança individualmente, entender os estímulos que lhe acalmam ou irritam dentro de sua fase de desenvolvimento. Identificar e controlar as fontes de estresse ao longo do dia é o primeiro passo para regularizar o sono.

2- Atenção aos medicamentos e seus efeitos secundários. Se o especialista prescreveu uma medicação é muito importante que leia a bula, para entender quais possíveis efeitos secundários podem ser esperados. Cada medicamento tem seu pico de atividade,  uma vida média e via de eliminação pelo organismo. Alguns tem efeito acumulativo, assim os efeitos secundários podem ser percebidos apenas alguns dias ou semanas de uso contínuo. Sonolência, irritação ou dificuldades gastrointestinais são os efeitos secundários que mais podem atrapalhar a regulação dos ciclos de sono. Sabendo o que um determinado medicamento pode causar, você poderá organizar de forma que seu efeito secundário tenha o menor impacto na rotina. Se causar sonolência, por exemplo, pode programar num horário que o pico de ação  seja no começo da noite (facilitando a indução do sono), enquanto se causar irritação pode ser usado de dia, programando para que sua eliminação já tenha acontecido antes da hora de dormir. 

Foto por Patrick De Boeck em Pexels.com

3- Atenção à interação entre medicamentos. Não é raro tratar várias condições ao mesmo tempo, ou então precisar usar uma medicação para tratar do resfriado, enquanto se mantém a medicação de uso contínuo habitual. A comunicação com cada especialista que trata a criança é essencial, para definir o potencial risco de quaisquer interação entre medicamentos. Essa interação pode potencializar alguns efeitos secundários que de outra forma seriam incomuns, tornando-os frequentes ou até mesmo a inibição da ação farmacológica. A cada medicação ministrada de forma simultânea o risco de manifestar reações adversas aumenta exponencialmente. 

Por exemplo, se uma medicação que causam sonolência, de uso regular, é ministrada junto com um corticosteroide numa situação pontual, a irritação e dificuldade para dormir pode ser manifestada de uma forma muito maior, já que apesar da sonolência a criança não consegue ciclos de sono eficiente (devido à ação do corticoide), e os esforços para lhe relaxar são muito maiores.  

4- Atenção à rotina de terapias e atenção de profissionais. Coordenar horários dos profissionais com os ciclos de sono e atividade das crianças atípicas é talvez um dos maiores desafios. O ideal seria que o horário da terapia fosse no período de  maior estado de alerta e atenção, mas isto raramente é possível. Para muitos pais e mães, a terapia é no horário que o profissional tem vaga. Muitas vezes é o horário que a criança dorme, e fica irritada toda a sessão, quando não dorme no meio. Por isso, uma vez se consegue ter um horário fixo com o profissional, o ideal é gradativamente, ir ajustando a rotina alimentar, oferta de medicamentos e sono, para garantir que o horário com o terapeuta seja quando a criança esteja melhor disposta. Tenha paciência, pois serão alguns dias ou semanas nessa adaptação, até conseguir que no horário junto ao terapeuta tenha o melhor aproveitamento. Isto fará enorme diferença nos resultados da própria terapia.

5- Interação com a rotina familiar. Como qualquer outra criança,as crianças atípicas também esperam e precisam da interação com sua família. Eles esperam os irmão voltar da escola, o pai chegar do trabalho, a hora de comer em família, etc. Assim que esperar que eles durmam nesses momentos de valor social, pode gerar bastante estresse para a criança e a família. Organizar refeições, sonecas e tempos de estimulação, garantindo que as crianças também compartilhem com a família é essencial. Mesmo que a alimentação precise ser via sonda ou tenha outros requisitos particulares, o horário pode ser próximo ao horário das refeições familiares. Dessa forma não só se permite que a criança participe do momento de vínculo social que a refeição familiar representa, como também ajuda sincronizar seu metabolismo com o ciclos dos outros membros do lar.   

Estou longe de entender por completo o universo de viver e cuidar crianças atípicas, com esse texto espero apenas trazer à luz algumas questões que são críticas na hora de organizar o descanso dessas famílias. 

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Texto original de Zioneth Garcia

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