Entendendo a candidíase mamária

A dor ao amamentar é uma das principais causas de desmame precoce. Uma das causa da dor aguda, é a candidíase mamária. Se mal tratada, pode se tornar uma dor crônica, resultando em muito sofrimento para a mulher que amamenta e em consequência para o bebê. Nesse texto espero ajudar às mulheres que lutam contra esse pequeno vilão, entender o inimigo é o primeiro passo para vencer-o.

O quê é a candidíase mamária? 

A candidíase mamária é a infecção por leveduras do gênero Candida spp. Existem várias espécies com potencial patogênico, porém a mais popular e estudada, é a espécie Candida albicans, apontada como a principal responsável da candidíase mamária, assaduras de fralda, candidíase vaginal e sapinho.

Leveduras são fungos unicelulares, mais conhecidos pelo processos de fermentação, as mais populares são as envolvidas na fermentação que dá o teor alcoólico à cerveja, o vinho, e o gás carbônico que deixa nosso pão mais fofinho. Mas existem leveduras não tão populares em tudo à nossa volta, no solo onde se cultiva, nos vasos de plantas de sua casa, na barriga da vaca que dá seu leite, até no intestino da barata que passeia no seu lixo.  Assim como as leveduras fazem parte inevitavelmente de nosso ambiente, elas também fazem parte da microbiota de nosso organismo, as leveduras em nossa microbiota são conhecidos por ser micro-organismos oportunistas, ou seja, que prosperam onde encontram ambiente propício. Como toda levedura, as espécies de Candida  spp. gostam de disponibilidade de açúcares e pH mais ácidos, onde podem proliferar tranquilamente. Por isso elas fazem parte da microbiota de nosso intestino, uretra, canal vaginal, boca e até mesmo a pele, sadia ou em processo de cicatrização. 

Candida albicans

Normalmente nosso organismo as controla, o sistema imunológico consegue manter nossa microbiota equilibrada, de forma que uma espécie de micro-organismos serve como biocontrole do outro, através da modificação das condições do ambiente onde todos vivem (pH, temperatura, disponibilidade de nutrientes). Durante a amamentação um alto conteúdo de açúcares se concentra na mama, sendo o meio perfeito para a proliferação desse fungo. Em condições normais os microrganismos e imunoglobulinas no próprio leite funcionam como prevenção da superpopulação de Candida albicans , mas alguns fatores alteram esse biocontrole e começa a infecção.

A infecção mamária por Candida albicans (geralmente) é comum durante a amamentação. Pode acontecer a qualquer momento desde o puerpério até próximo do desmame. Os açúcares do leite materno, o calor e umidade tornam o ambiente da mama propício para o crescimento sem controle dessa levedura, proliferando no mamilo, aréola e dutos laticíferos. 

Como identificar a candidíase mamária? 

O diagnóstico da candidíase mamária é principalmente clínico. O que os artigos e livros descrevem como sintomas é a sensação de ardor, coceira, aspecto avermelhado e dor em “fisgadas” no mamilo e/ou no interior da mama durante e após a mamada. Mas para ser sincera, acho pouco profunda essa descrição, já vi mães com ataques de ansiedade e pânico na hora da mamada, devido à dor da candidíase. Mães que precisam morder uma toalha para segurar o grito na hora de amamentar. E muitas que sucumbiram à dor e optaram por parar de amamentar após um quadro de candidíase mamária de repetição, sem um tratamento definitivo.  

Algumas situações podem predispor o organismo da mulher à infecção mamilar por Candida albicans Situações nas que o equilíbrio da microbiota se altera, o sistema imunológico se debilita, ou há exposição a novas cepas do fungo precisam de atenção. Alguns fatores são da mãe e outros da mulher, por exemplo:  

  • Candidíase vaginal recorrente
  • Uso de antibióticos pela mãe ou pelo bebê
  • Aftas na boca (sapinho) na mãe ou no bebê
  • Assadura de fralda
  • Imunidade baixa 
  • Altas taxas de açúcar no sangue 
  • Hiperlactação
  • Uso contínuo de conchas 
  • Permanecer com absorventes encharcados no seio 
  • Sutiã ou roupas apertadas com tecidos sintéticos com pouca transpiração. 
  • Fissuras ou feridas mamilares

Nas primeiras fases da candidíase pode ser percebida uma leve coceira e sensação de ardor na pele do mamilo e aréola, como de assadura mesmo, até com um leve aspecto avermelhado. Nessa fase, algumas mães podem associar a coceira e sensação de assadura a um processo de cicatrização por pega errada. Se você corrige postura, posicionamento e pega do seio e nada melhora, é hora de dar mais atenção aos sintomas e avaliar a possibilidade de ser Candidíase. 

Para se espalhar pelas células vizinhas, o fungo secreta proteases e fosfolipases, proteínas que atacam as membranas das células, facilitando a sua invasão. Sem tratamento, o fungo chega aos dutos laticíferos, com o que ardor superficial se transforma na famosa sensação de “fisgada” na hora que o leite se mobiliza pelo duto, muitas mães descrevem uma dor aguda, como agulhas movendo se pela mama e saindo pelo mamilo. A dor pode se irradiar e continuar um pouco depois da mamadas. 

Uma aspecto importante, a ser considerado na candidíase mamária, é que o fungo pode se associar a outros micro-organismos, formando um biofilme, uma parceria onde os micro-organismos associados se beneficiam, mantendo os tecidos susceptíveis a novas invasões. Em casos mais graves, e sem tratamento efetivo a infecção por Candida albicans pode desencadear mastites. 

Antes de fechar um diagnóstico de candidíase mamária é importante considerar todas as hipóteses, corrigindo pega, postura, posicionamento (até mesmo em bebês maiores). Descartar possibilidade de lesão mamilar por um freio de língua curto não solucionado, dutos laticíferos bloqueados (ou lesão por fricção ao trata-os), dermatites mamilo-areolar (considere alérgia aos absorventes) e até mesmo a possibilidade de fenômeno de Raynaud. 

Na dúvida sobre se os sintomas são ou não candidíase mamária, procure a avaliação de um profissional o antes possível. Entre mais rápido começar um tratamento mais rápido param os sintomas.

Veja algumas considerações importantes sobre o tratamento da candidíase mamária aqui

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Texto original de Zioneth Garcia

Referências:

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5 comentários

  1. A candidíase mamária na maioria dos casos pode se confundida com a mastite subaguda, um problema causado por bactérias. Por isso o diagnóstico deve ser muito preciso e por infortúnio saíram pesquisas provando como muitos médicos vem falhando ao tratar esse assunto…
    Que bom ver o tema da Candidíase ser abordado por aqui, é minha área de estudo, obrigado pelo artigo!

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    • Bom dia estou sofrendo há 3 meses com muita dor no mamilo, minha bb nasceu e como os outros dois filhos meu mamilo tbm feriu, só q dessa vez o ginecologista deu o diagnóstico da candidiase tratei com fluconazol e cetaconazol pomada, sentir melhor pois só depois de 2 meses o mamilo cicatrizou agora ja estou sofrendo novamente com muita dor, queima,arde cosa quando minha bb tá mamando as dores estão ficando insuportáveis pq além de vir do fundo do mamilo para o bico,o Bico está muito sensível é cono se ela tivesse mastigando o bico, quando acaba de mama o bico fica branco e dores insuportáveis, queria muito a ajuda de alguém q podesse me aauxiliar ppis minha bb nao pegou bico nenhum só mama e estou sem saber oq fazer vi nessa página q o exerso de açúcar atrapalha o tratamento e eu sou viciada em doce

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      • Olá Maria, acho que vc precisa um acompanhamento mais continuo. Talvez discutir com seu ginecologista não só o tratamento para a nova infecção, tratamento sistêmico (via oral) pode ser necessário, só uso de pomada n]ao vai resolver. A análise com cultura e antibiograma seria ideal para identificar se é realmente candidíases ou se tem ai uma situação de associação (cândida e alguma bateria). Quando o fungo se associa a bactérias, só o tratamento antimicotico não é suficiente.

        Além do tratamento, um acompanhamento continuo para prevenção de novas infeções seria importante para melhora sua qualidade de vida. Dieta, mudanças de hábitos e uma boa profilaxia precisa ser orientada (se tem candidíases vaginal associada pode ser preciso tratamento até para o parceiro, uma vez que ele pode ser transmissor silencioso) . Ter auxilio de nutricionista também seria importante para regular esse consumo de açucares, que pode estar favorecendo o quadro de candidíases mamaria de repetição.

        Veja esse texto:
        https://maescomciencia.com/2020/04/27/tratando-a-candidiase-mamaria/

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