Se você tem irmãos deve se lembrar das discussões e provocações constantes em alguma fase das suas vidas. Se você é mãe ou pai de mais de uma criança, já deve estar ciente que mediar o conflito entre irmãos é uma tarefa constante, cansativa, e extremamente necessária para manter a paz da vida familiar. Imagine a seguinte cena clássica do carro, voltando da escola, fim do dia, todos cansados e então começa a discussão: “parAAAaaa, parAAaaa….. Aiiii, sai de meu lugar… manhê ele está me empurrando… ela está invadindo meu espaço… Ele está me irritando com o barulho …. ela está me olhando feio … ” e assim por todo o caminho até chegar em casa. A situação parece familiar?
Ter vários filhos, em idades diferentes ou mesma idade, é um desafio constante. Nosso papel como pais é mediar para que o processo de autoconhecimento e conhecimento do outro aconteça de forma saudável, em segurança, aproveitando cada oportunidade que o conflito nos oferece para reforçar os princípios morais e valores que desejamos cultivar em nossos pequenos.

Entender as particularidades
Entender e respeitar as particularidades de cada criança é nosso primeiro grande desafio como pais. Crianças de idades diferentes têm necessidades diferentes, e crianças de personalidades diferentes exigem tratamento diferente. Tratar nossos filhos igualmente nem sempre vai ser o mais adequado. O jeitinho que funcionou para fazer dormir o filho maior pode não ser o mais adequado para o caçula. As preferências na hora de brincar de um podem não ser as mesmas do outro. O prato preferido de um não é necessariamente o mesmo prato preferido do outro. Entender as particularidades de cada criança, mesmo quando são da mesma idade é muito importante. Sabendo seus gostos, seus pontos fortes e pontos fracos, de cada uma das crianças, poderemos ajudar-as se reconhecer mutuamente.
Quando Antonio tinha 8 meses, não gostava de ser beijado, e com dentinhos nascendo descobriu nas mordidas uma forma de se defender dos constantes ataques de beijos de Maria, que com pouco mais de 3 anos adorava apertar e beijar o irmão. Sabendo disso, sempre ficava de olho e avisava para ela quando era hora de parar ou nem mesmo tentar beijar o irmão, já que ele iria reagir. Até que um dia, fui pega desprevenida, ela apertou o irmão dando um beijo, ele se soltou e deu uma bela mordida. Não deu tempo de nada, apenas de lhes separar e deixar os ânimos se acalmarem. Com Maria no alto de seus três anos, muita conversa, explicação do porque tinha acontecido a mordida com ela, e reforço constante para que ficasse atenta e reconhecesse o estado nervoso do irmão, para se afastar dele. Com ele, não tinha como recriminar, com um bebê de 8 meses o foco foi prevenir e ajudar evitar aqueles momentos estressantes.

Ser justos ao mediar os conflitos
Manter o senso de justiça ao tratar os irmãos é outro desafio da criação de irmãos. Devemos evitar tomar partido por um dos lados da disputa, encorajar que solucionem seus problemas sozinhos, mas intervir quando necessário como uma mediação imparcial. Crianças tem seu próprio senso de justiça, além de uma mente fértil para relatos, cada uma vai contar a situação de seu jeito tentando se colocar como vítima constantemente para receber o benefício de mãe ou pai. Vai por mim, vai acontecer muito, ouvir uma discussão e na hora de perguntar a razão, um culpar o outro. Se você tomar partido por um dos lados, corre o risco de ser injusta com algum deles. Se há uma discussão, o melhor é encorajar as crianças solucionar sozinhas, e se for preciso tomar uma medida para acabar o conflito de vez, tirando o objeto da disputa ou pedindo para dar um tempo em espaços separados, fora do local onde a discussão aconteceu.
Se meus filhos discutem pela posse de algum objeto, o controle da TV, por exemplo, se após perguntar o porque a discussão começam culpar um ao outro “é minha vez, ela já assistiu muito…” , tento pedir calma para que procurem uma solução, antes de ser necessária minha intervenção, que será retirar e ambos o controle da TV (que levaria à perda do tempinho de TV, de ambos). Geralmente, rapidinho eles concordam em um filme que agrade ambos, poucas vezes devo finalizar a advertência, mas já tive que agir e executei.

Regras de convivência claras para todas as idades
Ter as regras claras para a convivência faz parte de nossa desafiadora tarefa de pais de varias crianças, as regras devem ser universais, abraçando as diferenças entre as crianças. Especialmente quando se trata de convivência em áreas comuns, é essencial ter regras para evitar e mediar o conflito. Objetos compartilhados por toda a família, como TV, computador, sofá, sala de estar, mesa de jantar, etc, devem ter regras de uso e compartilhamento claras, e ser estabelecidas de forma explícita pelos pais. Além de cada um ter o seu lugar ou sua vez, deve ficar claro que esses objetos são de uso comum, e por tanto é dever de todos cuidar deles. As consequências de quebrar as regras também devem ser claras, em uma casa com várias pessoas de idades diferentes, nada pode ser dado como óbvio. As coisas precisam ser ditas explicitamente para as crianças, e repetidas constantemente, principalmente para crianças pequenas. “Se você quer ouvir suas músicas pode ir no seu quarto, ou ouvir baixinho para que o irmão possa terminar seu labor de casa” … “Se tem mais pessoas sentadas no sofá, não dá para ficar fazendo cambalhotas nele, pode machucar alguém” … “Se usa o tablet até esgotar a bateria, e não bota para carregar não vai poder usar depois”.
Dar pequenas tarefas acordes à idade de cada um é uma boa forma incentivar as crianças nos cuidados das áreas comuns, permitindo que o senso de apropriação e cuidado do lar se desenvolva. Uma criança de 3 anos já consegue organizar as almofadas do sofá e recolher os seus brinquedos da sala, enquanto uma criança de 5 anos já consegue passar um pequeno aspirador no tapete. A criança de 2 anos já ajuda colocar os talheres na mesa, e a de 4 anos pode ir colocando os pratos um de cada vez. Se todos ajudam, nem que seja um pouco, o trabalho de todos é mito mais valorizado.

Evitar e corrigir as agressões
Talvez a parte mais desafiadora, e que nos causa mais medo no comportamento dos irmãos é a agressão, ela NUNCA deve ser aceita. Bater, morder, gritar, falar palavrões, entre outras formas de agressão que podem se apresentar entre irmão, devem ser desencorajadas imediatamente, logo na primeira aparição. Se machuca de alguma forma o outro, é uma forma de agressão. Pessoalmente considero a agressividade como uma forma de comportamento antissocial, a consequência lógica desse tipo de comportamentos pode ser o isolamento social, se tratando de criança o melhor é afastar o agressor temporariamente, lhe ajudando se acalmar e reconhecer o mal causado no outro. Independente do que levou até agressão, ter empregado a violência como resposta ao conflito, é um assunto muito mais urgente, sob o qual qualquer outra situação perde relevância.
Estapear, pode ser um comportamento que vai e volta, em várias fases da infância, primeiro como um reflexo, depois como uma expressão de emoção, empolgação, frustração ou raiva. Um casal que acompanhei, estava preocupado porque seu filho pequeno (2 anos e meio) , estava numa fase de estapear por raiva, quando apareceram os primeiros tapas na irmã (4 anos) me procuraram, minha sugestão foi observar as situações onde acontecia o tapa, e ficar em alerta constante, para ajudar controlar essa reação. Muita conversa, repetição e alternativas para a raiva foram necessárias, não parou instantaneamente, foi um processo de algumas semanas nas que era preciso afasta-o da irmã, do ambiente, até a raiva baixar, coisa de poucos minutos, para então continuar a brincar.

Equilibrar parceria e individualidade
A parte legal de ser pais de varias crianças é ver a amizade e e parceria nascer e crescer dia após dia, mas pode ser preciso dar um empurrãozinho. Estimular as brincadeiras juntos, mostrando como as diferenças podem ser envolvidas na brincadeira, ajuda desenvolver a parceria. Quando Antonio estava na fase de engatinhar e começar andar, brincar juntos era um caos, ela montava torres e cidades com seus blocos, enquanto Antonio adorava passar por cima de tudo e destruir, foi então que nossa brincadeira preferida apareceu “O Bebezilla”, Maria criava cidades inteiras, enquanto Antonio ficava no meu colo, enquanto íamos contando uma história, e o ponto alto da história era justamente O Bebezilla ser solto derrubando tudo, para que no fim tudo pudesse ser recriado. Sem nem perceber, eu não era mais necessária na brincadeira, os dois juntavam, Maria montava e Antonio derrubava, uma e outra e outra vez.
Ao mesmo tempo, que estimulamos a parceria, também devemos velar pelo respeito da individualidade. Devemos respeitar o tempo que cada criança quer para brincar sozinha com suas coisas. Nem sempre as crianças maiores querem compartilhar seus brinquedos com os menores, especialmente quando o menor é um bebê que leva tudo à boca. Separar os brinquedos respeitando as faixas etárias para as quais são destinados é uma medida de segurança importante, aqueles que sejam só para o maior devem ficar guardados num local onde só ele tenha acesso. Da mesma forma os brinquedos mais amados pelo menor, que o maior já não sente interesse devem ser respeitados e disponíveis apenas para ele. Cada um com seu cantinho para guardar seus brinquedos, sendo responsável por ele.
Ter um local para os brinquedos comuns, é uma forma prática de evitar conflitos. É interessante que como brinquedos comuns, escolha aqueles que convidem o brincar junto, jogos de duas ou mais pessoas. A pista de carros com um lançador, com classificação acima de 4 anos que seu filho maior ganhou de presente no natal e que tanto ama, provavelmente não é o melhor brinquedo para ficar disponível para o irmão de 18 meses, certamente ele irá tentar colocar o carrinho na boca, brigar pela sua vez com o lançador e o que deveria ser divertido se tornar um estresse. Então esse brinquedo merece ser guardado no espaço no irmão maior. Já o jogo de panelinhas pode ser muito mais divertido, quando no restaurante imaginário tiver garção, chef além de fregueses.

Desenvolver a empatia
Encaramos o desafio de criar irmãos, para que nossos filhos possam se tornar o apoio um do outro, se amar, confiar e construir uma verdadeira parceria para vida. A parte mais exaustiva dessa jornada, cobrará de nos um grande trabalho de crescimento pessoal, e inteligencia emocional, para poder ajudar as crianças reconhecer os estados emocionais no outro e em si mesmo, para dessa forma cultivar nelas a empatia e o cuidado com o outro. Eles percebem quando algo está acontecendo com o irmão ou irmã, e precisam uma explicação. Dessa forma vão aprendendo não apenas reconhecer e nomear os sentimentos no outro, senão também em si mesmos. Você sabe quando seu filho está irritado por não dormir bem, ao contar ao irmão, para que nesse dia ele tenha um pouco mais de paciência, o ajuda identificar quando ele mesmo está irritado por cansaço. Ao compartilhar a felicidade que o irmão sentiu ao marcar um gol, o irmão vai poder entender a empolgação com a bola, e então ficar animado junto. Compartilhar sentimentos, emoções, boas e não tão boas, vai ajudar criar o clima de camaradagem que todos gostaríamos ter com nossos irmãos e desenvolver em nossos filhos.
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*Texto original de Zioneth Garcia
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