Amamentar precisa de propósito?

Por quê você amamenta ou amamentou? O quê a fez continuar ou desistir? o quanto as pesquisas sobre benefícios da amamentação realmente impactaram sua decisão de continuar ou interromper a amamentação? Um tema polêmico mas que venho pensando há algum tempo.

Nesse ano meu filho começou tratamento ortodôntico, de alguma forma me senti incomodada, frustrada, ele nunca usou chupeta, nunca usou mamadeira, amamentou até 2 anos e 8 meses, introdução alimentar perfeita, tudo direitinho como manda o figurino e mesmo assim está tendo que usar um aparelho para corrigir a mordida.  Onde falhei? Onde ficaram todos os artigos que suportavam o melhor desenvolvimento da mordida em crianças amamentadas? Conversando com o ortodontista, vi que não era só amamentar, tinha todo um histórico da gestação até a posição de dormir hoje, que favoreceu a assimetria e má oclusão. 

Nos últimos dias voltou a rodar nas redes sociais o titular de “crianças amamentadas têm maior QI” e o “crianças amamentadas acima de dois anos têm notas melhores em matemática”. Fiquei imaginando as mães de crianças com dificuldades na escola pensando que a responsabilidade dos filhos não ser tão “inteligentes” é de não terem amamentando o suficiente ou que de alguma forma não foram boas suficientes pois mesmo amamentando um longo tempo a criança não é de excelentes notas em matemática como se supõe deveria ser. Provavelmente muitas mães, ao igual que eu, se sentiram incomodadas e frustradas com esses titulares. 

Tem vários pontos nessas campanhas e matérias com títulos apelativos que me incomodam. Em primeiro lugar, me incomoda colocar a inteligência humana reduzida ao QI ou entendimento matemático. O quê é ser inteligente? É tirar sempre 10 na escola? Conseguir armazenar muitas informações no seu cérebro? O atleta medalhista olímpico, que tirava nota apenas para passar na escola, é menos inteligente que o astrofísico que tirava 10 em tudo? Em que categoria colocamos então ao artista que cria um império de milhões mesmo mal tendo conseguido terminar o ensino médio? Ele é mais ou menos inteligente que o atleta ou o astrofísico? Acho que cada uma dessas pessoas é inteligente do seu jeito, em dimensões completamente diferentes e incomparáveis.  A inteligência é um conceito muito mais complexo que uma qualificação ou quociente. Ela é a capacidade de compreender, resolver problemas, tomar decisões e adaptar-se a novas situações. A inteligência é o resultado da convergência de fatores genéticos, ambiente físico, social e cultural no qual o ser humano se desenvolve.  

Outro ponto que me incomoda é que não há uma relação de causalidade entre amamentação e “inteligência”, por muito uma correlação. O desenvolvimento infantil depende dos estímulos que recebe durante o seu crescimento, um ambiente enriquecido sensorial, motora e socialmente vai fomentar um crescimento neurológico melhor nos indivíduos do que um ambiente pobre em estímulos, isso já sabemos. Não há dúvida que a amamentação favorece o vínculo afetivo da mãe com seu bebê, o que vai ajudar enriquecer o ambiente social para essas crianças amamentadas. Porém, o fato de uma criança ser amamentada prolongadamente, por si só,  não é uma medida do enriquecimento do ambiente no qual se desenvolve, e não exclui a possibilidade de crianças não amamentadas construir fortes vínculos emocionais com seus pais.

Sei que pode ser um tanto polêmico, porque é necessário estimular a amamentação num mundo onde a cultura do desmame é muito forte. Mas será que a estratégia de vender a amamentação com benefícios pouco verídicos, da mesma forma que o fazem as empresas de substitutos de leite materno,  realmente vai ajudar incentivar a amamentação? 

Amamentação é antes que mais nada uma herança evolutiva, faz parte do que nos torna humanos. As mulheres amamentam seus filhos desde que  a espécie humana existe, não pela procura de um  benefício específico além da mera sobrevivência da espécie. Ninguém escolhe amamentar para o filho ser mais inteligente , ser mais forte, ser mais bonito. A mulher amamenta incialmente como um instinto de sobrevivência de seu filho, e continua amamentando porque o seu corpo lhe pede repetidamente o alívio do seio sendo esvaziado e o prazer da ocitocina que inunda seu corpo e fortalece a conexão única com a criança a cada mamada.  O incentivo para continuar à amamentar é o prazer! é isso garante que ela deseje dar a próxima mamada. Amamentar satisfatoriamente é muito mais poderoso para manter prolongadamente a amamentação do que qualquer promessa de benefício no futuro para a criança.  

Foto por MART PRODUCTION em Pexels.com

A insatisfação ao amamentar, causada pela dor, pela privação de sono, pela cobrança social por produtividade econômica,  ou pela solidão e exclusão social à qual as mulheres são submetidas quando se tornam mães é muito mais impactante na decisão por interrupção da amamentação e introdução de substitutos do leite materno do que o medo de ter filhos “menos inteligentes”. 

Amamentar é uma questão de saúde pública, de baixo custo para o orçamento das famílias e altíssimo valor social ( apesar de pouco reconhecido), tem inúmeros benefícios individuais e coletivos que não podem ser completamente medidos ou quantificados. Manter o plano natural, que garantiu o sucesso de nossa espécie até hoje me parece que é o maior e melhor dos incentivos para que mais campanhas públicas de incentivo à amamentação, respeito às mulheres lactantes  e inclusão de políticas de segurança social às mães sejam construídas. 

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*Texto original de Zioneth Garcia .

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