7 Mitos sobre o desfralde

Se você está com uma criança próxima dos dois anos ou em processo de desfralde, tenho certeza que vai ouvir (se não ouviu ainda) muitos relatos e conselhos de desfraldes rápidos na base de palmadas, levar ao banheiro a cada 20 min, deixar molhado o dia inteiro, ou dar recompensas a cada uso do banheiro. Para você estar preparada (o) e não cair em armadilhas, seguem alguns dos mitos mais populares sobre desfralde.

1- É você que decide a hora de tirar as fraldas

A ideia que é a mãe, pai ou escola que decidem a hora de tirar as fraldas é talvez o maior e mais prejudicial dos mitos sobre o desfralde. O processo de controle de esfíncteres e aprendizagem de ir ao banheiro depende única e exclusivamente da criança alcançar o desenvolvimento neurofisiológico, comportamental e emocional. Devem existir condições no seu organismo que lhe permitam concentrar, segurar a urina na sua bexiga, e controlar o esfíncter à vontade, o que implica mudanças a nível neurológico que estão fora do nosso controle.

A criança também precisa entender e praticar o processo de ir ao banheiro, que envolve uma serie exata de pequenas ações, enquanto começa se enxergar a si mesma como um indivíduo que faz parte de um grupo social, onde existem regras de convívio (como a de evacuar no banheiro).

Em outras palavras, não é o adulto que tira a fralda, é a criança que a deixa quando pode, sabe o que tem que fazer e quer mesmo fazer, aceitando-se como membro de um grupo social, seja ele a família, a escola, os amiguinhos da pracinha. O papel dos pais, da escola e outros cuidadores é o de guiar a criança no processo. Estimulando a aprendizagem das pequenas ações envolvidas no comportamento “ir ao banheiro”, alimentar a autoestima e autoimagem confiante que lhe permita fazer a transição de bebê a criança, e facilitar a inserção ao seu grupo social.

Iniciar um desfralde sem considerar os sinais de prontidão da criança pode levar a um processo longo, com uma série de dificuldades que vão desde muitas roupas molhadas, retenção de evacuações, infeção urinária, constipação intestinal, perda de apetite, alterações no padrão de sono, entre outras.

2- Desfralde de menino é mais fácil que menina


A grande diferença entre meninos e meninas não é pelo seu processo de desenvolvimento, mas pelo processo de socialização, que é mediados por aspectos culturais. Para os pais é mais fácil deixar o menino fazer xixi em qualquer local do que deixar a menina se aliviar na rua. Nesse sentido concordo que o processo de controle de esfíncteres pode ser mais fácil para o menino, tendo menos roupas molhadas já que qualquer local é aceitável socialmente para ele se aliviar.

Uma fase mais avançada desse controle de esfíncteres pede que a criança entenda que pode ter um controle de seu corpo conveniente para a sua rotina, ou seja, que pode fazer xixi mesmo quando sua vontade não é urgente, apenas para não sentir vontade mais tarde já que pode não ter onde se aliviar. Nesse sentido, para as meninas é mais fácil aceitar que nem todo local terá banheiro e por isso precisa fazer xixi em casa antes de sair, uma vez que desde sempre são cobradas para tal.

A cobrança social sobre a socialização de meninos e meninas tem uma forte influência nessa fase de desfralde, tem mais a ver pela forma como cada um de nós, pais e mães encaramos essas cobranças do que com o processo de desenvolvimento neurofisiológico da criança em si.

É mais fácil dizer para o menino fazer na plantinha, quando está começando o processo, porém, também será mais difícil lhe ensinar que não pode fazer em qualquer lugar, que as plantinhas não são o local socialmente aceitável para fazer.

3- Com dois anos já deve sair das fraldas

Não existe uma idade absoluta, cientificamente comprovada para que aconteça o controle de esfíncteres e aprendizagem do uso do banheiro. Essas são habilidades que se adquirem durante o desenvolvimento, que é mediado pelas interações com o ambiente a as pessoas ao redor. Cada criança tem seu próprio tempo para o processo de desenvolvimento, em função do contexto no qual se encontra crescendo: o espaço à disposição para explorar, a família, a convivência com outras crianças.

Como a maioria das habilidades adquiridas pelas crianças durante seu desenvolvimento não se fala em idades absolutas mas em intervalos ou janelas nas que se espera que aconteça a aquisição dessas habilidades. Ao falar do controle voluntário do xixi diurno, pode se esperar que aconteça em algum momento entre os 24 meses e 36 meses, porém, isto não significa necessariamente uso do banheiro, a aprendizagem do uso do banheiro pode demorar até os 4 anos. Casos nos que o controle acontece antes de dois anos são muito muito raros, mas existem. Já o controle do cocô e do xixi noturno pode demorar um pouco mais para acontecer.

Para você mãe ou pai, que está sofrendo com a pressão de familiares e amigos, que vivem lhe perguntando quando vai tirar as fraldas de seu filho ou filha que está perto dos dois anos, posso lhe dizer que fique em paz, não precisa pressionar sua criança, o tempo dela vai chegar. Apenas garanta um ambiente para seu desenvolvimento saudável. Lembre que as fraldas não se tiram, a criança deve estar pronta para as deixar.

4- Se não tirar as fraldas até 3 anos, não tira mais


As fraldas não se tiram, as crianças as deixam na hora que estão prontas. Algumas crianças alcançam a prontidão neurofisiológica e comportamental para usar o banheiro até os três anos, e tudo bem. Cada uma tem seu processo. Fatores do ambiente familiar e social podem influenciar no ritmo no qual a criança aprende reconhecer os sinais internos que seu corpo lhe dá, aprende através da prática a sequência de ações do comportamento de ir ao banheiro, e a mudança de autoimagem de bebê para criança. Nesse processo, alcançar o controle voluntário do xixi e cocô não está necessariamente ligado ao uso do banheiro. A aprendizagem do uso do banheiro pode demorar até os 4 anos, sendo considerado normal.

Muitas situações nas que o desfralde se torna um problema para a família não tem a ver com a criança em si, mas com o contexto n qual ela se desenvolve. Vale lembrar que a forma como a criança se vê a si mesma é um reflexo de como a agimos com ela. Se a tratamos como bebê, fazendo por ela coisas que já sabe fazer por si mesma, estamos a impedindo de perceber e aprimorar as suas capacidades, fazendo que se sinta incapaz e menor do que realmente é, levando até mesmo duvidar do que percebe no seu proprio corpinho.

Porém, um olhar bem atento deve ser dado para as crianças com alterações no sistema de percepção sensorial, já que podem ter dificuldades para o reconhecimento interoceptivo, mostrando dificuldades na hora de segurar e controlar o esfíncter de forma voluntária, mesmo entendendo e desejando cumprir com essa demanda social. Assim mesmo, crianças que exibem dificuldades no processo de socialização podem demorar para entender regras sociais de convivência como o uso do banheiro. Em ambas as situações, o acompanhamento multiprofissional pode ser necessário.

5- Se tirou a fralda NUNCA mais coloca de volta


O controle de esfíncteres e aprendizagem do uso do banheiro não é um evento pontual no qual você pode dar data fixa, é um processo, pode ter altos e baixos, assim negar colocar a fralda quando a sua criança a solicitá pode levar a retenção, constipação, infecção urinária, diminuição de apetite, dificuldades no sono (pelo estresse e desconforto), entre outros.

Lembre que a fralda não se tira, a criança a deixa. Seu papel como mãe, pai e educador é ajudar a criança a se sentir segura e capaz de dar esse passo no seu crescimento. Devemos lhe ajudar a sentir que a fralda é obsoleta e desnecessária uma vez que ele consegue controlar seu corpinho.

Imposição não é um bom caminho para ajudar a criança nesse processo. Envolver o processo de desfralde numa luta de poder vai trazer frustração para todas as partes envolvidas.

6- Deixa sentir o incômodo do molhado na roupa que assim aprende

Deixar a criança incomodada e constrangida com o próprio xixi não lhe ensina nada sobre controle de esfíncteres e uso do banheiro, mas pode ferir sua dignidade e autoestima.

Aprender a usar o banheiro é um processo cheio de altos e baixos. Usar a sensação de inadequação, ao estar molhado de xixi, como castigo por não conseguir ir ao banheiro, não é uma ferramenta educativa adequada.

O desfralde marca uma mudança de autoimagem de bebê para criança, essa construção deve ser cimentada sobre pilares de autoestima e autoconfiança, para que o desenvolvimento siga saudável. Submeter a criança à humilhação ou constrangimento de ficar molhada ou suja, pode lhe trazer sentimentos ruins sobre si mesma.

7- Antigamente as mães faziam o desfralde mais cedo e mais fácil.

Antigamente as fraldas eram tiradas pelas mães na hora que acreditavam que deveriam, por alguma estranha convenção social sem fundamento científico algum, essa idade ficou bem próxima dos dois anos. Antigamente , não se enxergava as crianças como seres completos e complexos com seus desejos, vontades, capacidade e plenos direitos. Em alguns casos poderia dar certo, com muita dedicação da mãe, a criança evitava roupas molhadas pois o monitoramento contínuo da sua mãe permitiria identificar os sinais e levar ao banheiro na hora certa. Porém, o controle dos esfíncteres e a aprendizagem do uso do banheiro realmente não acontecia. Era a mãe quem mantinha o controle sobre as evacuações e se encarregava de determinar a hora certa de ir ao banheiro, levando e ordenando a evacuar na privada (por vezes forçando). A percepção interoceptiva, comportamental e emocional segue seu curso natural, no ritmo da criança. Na hora que a criança sai de seu ambiente normal, de perto da sua mãe, os acidentes se tornam recorrentes.

Hoje sabemos que talvez não seja a melhor abordagem, que um desfralde respeitoso deve considerar a construção de autoimagem, a autonomia e independência para a criança reconhecer e controlar seu corpo e usar o banheiro sozinha, respeitando o seu processo de desenvolvimento, lhe guiando e ajudando entender a demanda social que significa ir ao banheiro. Lembre as fraldas não se tiram, a criança as deixa quando estiver pronta para tal.

Vale esclarecer aqui que o desfralde precoce, imposto pelos pais ou cuidadores é diferente da prática da higiene natural que vem ganhando cada vez mais adeptos ao redor do mundo, como uma alternativa sustentável com o meio ambiente e  respeitosa com o desenvolvimento dos bebês.  A higiene natural tem como base  o reconhecimento de sinais que comunicam a necessidade de evacuar, aprimorando a comunicação com o bebê, e o respeito pelas fases de desenvolvimento neurofisiológico, não há imposição de nenhum tipo. 

Precisando ajuda?

A consultoria Mães com Ciência pode ajudar no desfralde, sono, amamentação, preparação para voltar ao trabalho, organização da rotina familiar e educação positiva. Saiba como funciona aqui ou  Agende uma consulta virtual aqui.

*Texto original de Zioneth Garcia.

Veja também

Links de todos os textos sobre desfralde do blog Mães com ciência

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