A língua não serve apenas para sentir os sabores, ela é muito importante para a mastigação, a deglutição e a fala. Nos bebês a língua é essencial para os movimentos de sucção durante a amamentação, e qualquer situação que altere a forma ou funcionalidade pode impactar diretamente na qualidade do aleitamento materno, e posteriormente na alimentação complementar e desenvolvimento da fala.
A língua é um órgão complexo, possui tecidos de diferentes origens embrionárias. A partir das 4 semanas de gestação já é possível identificar no embrião as estruturas que darão origem à nariz, a boca, mandíbulas e maxila. A língua é um órgão muscular, está presa por sua base ao asoalho da cavidade oral. Está constituída por músculos extrínsecos e intrínsecos. Os músculos extrínsecos a prendem à mandíbula, ao osso hioide, ao processo estiloide e ao palato. Quando estes músculos se contraem, movimentam a língua em todas as direções. Os músculos intrínsecos, por sua vez, estão contidos inteiramente na língua, com origem e inserção nela e são responsáveis pela alteração de sua forma. Durante a amamentação a língua se molda e se movimenta ativamente, sendo responsável por sujeitar o mamilo, posicionar ele dentro da cavidade oral, permitir que se forme o vácuo para a sucção e estimular o seio para ter ejeção do leite dentro da boca do bebê.

Alterações na morfologia de qualquer uma das estruturas que formam a língua podem levar a alterações funcionais, que podem comprometer o processo de amamentação. Para a extração de leite a língua precisa se projetar levemente fora da boca, sobre a gengiva, abraçando o mamilo tomando um formato de cânula, para então realizar movimentos peristálticos que ajudaram a ponta do mamilo se projetar dentro da cavidade oral, até alcançar o palato mole, permitindo assim a formação da vedação necessária para a sucção e estimulo que levará à ejeção do leite efetivamente.
Quando existe restrição na mobilidade da língua ela pode ser incapaz de ajudar o mamilo se projetar dentro da cavidade oral do bebê até alcançar o palato mole, chegando apenas ao palato duro, onde a pressão que a língua acaba gerando contra o mamilo o deixa deformado (fica aplastado/ pontudo), a vedação é pouco efetiva, com o que o bebê pode mostrar formação de covinhas ou barulhos como estalos durante a mamada, e pode levar a mãe experimentar dor, ferimentos no mamilo ou vasoconstrição (cor esbranquiçada do mamilo ao final da mamada). Numa situação com restrição de mobilidade da língua a ejeção de leite é menos eficiente, os bebês podem mostrar muita mais sonolência durante as mamadas, e em últimas dificuldades com o ganho de peso.

A língua possui uma pequena prega de membrana mucosa, denominada frênulo ou freio da língua, que a conecta ao assoalho da boca, essa prega normalmente some durante o desenvolvimento embrionário. Porém, quando permanece, essa membrana pode limitar os movimentos da língua em graus variados, dependendo da porção de tecido residual que não sofreu apoptose durante o desenvolvimento embrionário. O freio de língua curto ou anquiloglossia é uma condição congênita, tem influência genética considerável, ou seja, se pais, avós ou tios, têm histórico de freio de língua curto, existe a probabilidade do bebê nascer com a mesma condição. Porém, o que vai determinar o tipo de intervenção necessária é a avaliação do bebê ao momento do nascimento e principalmente a experiência durante a amamentação. Existem vários protocolos de avaliação que os profissionais usam para determinar se existe limitação na mobilidade da língua, e se há, qual a abordagem necessária para correção.
Freio de língua curto ou tensão em estruturas orofaciais (muscular, articular ou nervosa), podem levar a restrições no movimento da língua na hora da mamada. Assim como existem diferentes tipos de restrições ao movimento da língua, também existem comportamentos diferentes dos bebês durante as mamadas. Alguns nem mesmo conseguem fazer a vedação inicial e acabam desistindo no começo, outros conseguem uma bela pega no começo, mas cansam e desistem no meio do caminho, outros insistem e finalizam a mamada, fazendo movimentos compensatórios, ou mesmo gastando muita mais energia do normal. Para entender melhor, vou tentar uma analogia: imagine cada mamada como uma corrida. Se você corre amarrado, o ponto até onde consegue chegar vai depender do tamanho da corda que o prende. Talvez você não consiga nem mesmo sair do lugar, saia mas desista no meio do caminho, ou se for uma corda elástica, com um pouco mais de esforço , ajuda e compensando alguns movimentos, chegue até sua meta.

Nem todos os casos de freio de língua curto são indicações de correção cirúrgica, frenectomia. O que vai determinar a necessidade da intervenção é a funcionalidade durante a amamentação. Se o bebê está ganhando peso bem, está se desenvolvendo satisfatoriamente apenas com o leite materno, e a mãe não sente nenhum desconforto ou dor ao amamentar, não há nenhuma necessidade de intervenção. Nesse caso o bebê conseguiu realizar a compensação em seus movimentos o suficiente para manter a lactância. A intervenção pode ser necessária quando o bebê ganha peso insuficiente, se mostra irritado, nervoso e insatisfeito constantemente, a mãe manifesta dor, desconforto ou ferimentos no mamilo após amamentar mesmo após correção de pega e postura. No caso de ter dificuldades para a amamentação por causa de restrição da mobilidade da lingua, entre mais cedo se realiza a intervenção melhor.
A língua não só intervém na amamentação, ela é essencial para a mastigação, lateralização do bolo alimentício e deglutição, movimentos que serão requisitados já na alimentação complementar (a partir dos seis meses de vida), e também nos processos de desenvolvimento da fala (1 -3 anos) e formação de fonemas essenciais para iniciar a alfabetização (5-6 anos). Em situações onde o freio de língua não atrapalha a amamentação, mas existem dificuldades nas áreas de alimentação complementar ou desenvolvimento de linguagem, a reavaliação da mobilidade da língua é essencial para determinar o tipo de intervenção.
Se você suspeita de freio de língua curto no seu filho, procure um serviço de fonoaudiologia ou odontopediatria especializado para fazer a avaliação, uma atendimento multidisciplinar onde você possa contar com a avaliação da amamentação, o desenvolvimento e a morfofuncionalidade da língua é ideal.
Referências:
MARTINELLI, Roberta Lopes de Castro; MARCHESAN, Irene Queiroz and BERRETIN-FELIX, Giédre. Protocolo de avaliação do frênulo lingual para bebês: relação entre aspectos anatômicos e funcionais. Rev. CEFAC [online]. 2013, vol.15, n.3, pp.599-610. Epub June 21, 2013. ISSN 1982-0216. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013005000032.
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Texto original de Zioneth Garcia