Lidando com o medo da escuridão

O medo faz parte da vida de todos nós: crianças, jovens , adultos, mães e pais. Na minha opinião, o medo em si, não é tão ruim. O quê seria da montanha russa sem a sensação de friozinho na barriga quando se aproxima a descidona? Quando perdemos o medo, acaba não sendo tão legal. Onde fica a emoção da paquera e a conquista sem aquele medinho básico de não ser correspondidos?  Sem o medo, não existiria a coragem, a sensação de força interior que nos impulsiona superar nossas limitações físicas ou mentais para realizar nossos desejos, fazer o que precisamos fazer, e nos encher de orgulho e satisfação pessoal.

Acolher o medo de nossos pequenos é  tão importante quanto ajudar lhes superar . É preciso ajudar encontrar o caminho para descobrir a própria coragem e enfrentar o objeto do medo. Não espero dar um guia para lidar com o medo de seus filhos, nesse texto quero compartilhar um pouco da minha experiência pessoal lidando com o medo da escuridão. 

Percebi na minha pequena amostra populacional de duas crianças em casa, e algumas amostras aleatórias que recebo nas consultas, que essa fase de medos começa assim que cada um descobre e consegue falar a palavrinha “medo”, para a maioria de 2- 4 anos. Uma das coisas que percebi é que o comportamento dos adultos fica  diferente quando a criança fala “tenho medo de…” automaticamente queremos proteger a criança, lhe ajudar se sentir segura lhe protegendo do objeto do medo, começamos fazer compensações comportamentais, mudando rotinas familiares, e inconscientemente acabamos vivendo em função daquele medo, e acabamos o alimentando.  A experiência me mostrou que não basta proteger e acolher, é preciso ajudar a criança superar. 

Foto por Vlad Bagacian em Pexels.com

O medo da escuridão deve ser um dos primeiros medos da humanidade, ao final somos seres diurnos, com pouquíssima capacidade de visão noturna, não é em vão que nossa espécie prosperou ao redor do fogo, uma fonte de luz para a noite que além de acalentar deixava predadores longe, nos protegendo dos perigos da  escuridão. Não é raro que seja um dos primeiros medos que aparecem na infância, pode estar associado à compressão da própria vulnerabilidade.

O medo tem uma propriedade interessante, descobri que ele pode ser altamente contagioso, entre crianças na mesma casa ou mesmo entre crianças da mesma sala de aula, então é melhor lidar precocemente, antes que tenha que se lidar com uma escalada de medos muito maior. Afortunadamente a coragem também é contagiosa, então a superação do medo de um, ajuda na superação do medo do(s) outro(s)

Meus dois filhos tiveram várias fases de medo de escuro, a primeira vez que tive que lidar foi próximo dos 3 anos do caçula (2 anos e 10 meses para ser exatos), só de tentar desligar a luz começava chorar, assim que dormia praticamente de luz acessa e desligava só depois dele dormir (o que demorava um tempão justamente pela luz). Essa primeira abordagem, deixar luzes acesas, acabou atrapalhando mais do que ajudando.  A criança, acordava vinha para minha cama, e vamos combinar que três numa cama de casal padrão é muito desconfortável, ninguém dorme direito. Ainda bem que a diferencia de idade permitiu que as fases não fossem ao mesmo tempo. Então, quando cansei de acordar toda manhã como se um caminhão passasse por cima de mim, iniciei uma profunda pesquisa sobre o que poderia ter causado o medo do escuro. Deite na cama da criatura no escuro, e percebi várias sombras projetadas pela luz que entrava pela janela, tinha uma lâmpada de rua bem próxima da janela, e mesmo com cortina entrava muita luz, que refletia numa série de brinquedos no chão e no estante, criando formas bizarras e assustadoras.  

Comecei fechar com black out para  evitar a projeção de sombras, guardar os brinquedos em locais fechados e introduzimos a brincadeira de sombras na hora de dormir, lanternas, silhuetas recortadas em papel, as mãos e os corpos pulando frente a luz renderam (e ainda rendem) horas de diversão com as mais diversas histórias. Brincando as crianças entenderam que escuridão não precisava ser ruim, só no escuro e com um pouquinho de luz que era possível brincar de sombras. Após alguns dias brincando de sombras todas as noites, não foi preciso deixar mais luzes acesas e em mais alguns dias não houve mais incursões noturnas à cama dos pais. 

Mas o medo do escuro não parou por ai, uma segunda experiência aconteceu quase dois anos depois. Lá pelos 6 anos , a criança maior trouxe um foco de medo do escuro da escola, o que achei que não seria nada já que acreditava que estávamos vacinados, mas mudamos de casa, e os quartos novos trouxeram inseguranças, e dessa vez com caráter contagioso, os dois apareciam na minha cama, às vezes um de cada vez, outras os dois ao mesmo tempo. Não esperei dar nem uma semana nesse rito, novamente fizemos a avaliação respectiva dos quartos no escuro, organizamos para minimizar sombras desconfortáveis, novamente brincadeira de sombras, mas dessa vez não foi suficiente, ainda vinham na minha cama com o pretexto que não conseguiam voltar dormir porque sentiam medo. 

Dessa vez foi necessária uma bela conversa, tentando que cada um deles entendesse o porque de seu próprio medo do escuro, ao final, não é porque são irmão que sentem e pensam da mesma maneira. Recontamos a própria história, mostrando como eles já tinham conseguido dominar a situação, criado coragem e dominado o medo em outras situações. Buscamos soluções, uma surgiu de meu esposo, que começou rezar o anjinho da guarda com os pequenos toda noite, o que trouxe uma calma ao fazer eles se sentirem protegidos. Combinamos de deixar a luz de meu quarto acesa até ambos adormecer, adicionalmente, deram seu toque pessoal ao quarto com figuras adesivas que brilham no escuro, que colamos na parede para eles poder olhar, e deixamos a porta aberta (figurativa e literalmente) para caso precisarem de nós apenas chamar.  Foi um arsenal contra o medo de escuro e parece ter funcionado, porque as incursões à cama dos pais pararam por um bom tempo. 

Recentemente uma nova fase de medo do escuro apareceu, mas pela insegurança do momento que estamos vivendo, uma conversinha, explicações sobre a importância da escuridão para nosso bom descanso, já que agora escolares exigem essas explicações, mais uma avaliação dos ambientes, novamente os combinados de deixar a luz do meu quarto acesa até eles dormirem e retomada do anjinho da guarda . Foi mais leve do que pensei, umas poucas noites voltamos ao normal.

Já lidamos com medo de ir para escola e apanhar dos coleguinhas, medo de monstros, medo da privada, medo de machucar-se nas atividades, medo de pesadelos, medo de não ter amigos na escola, medo de perder os pais, medo de animais de estimação, e mais recentemente medo de algum familiar ficar doente ou morrer. A forma como esse medos eram expressados variava muito, mas prometo que vou contar como foram manejados em próximos textos. 

Veja também
Dicas literárias para trabalhar o medo das crianças

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Texto original de Zioneth Garcia

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