O sono das mães

Após oito anos de maternidade, e mesmo com quase 4 anos nos que as noites de sono das crianças são completas, o meu sono nunca mais foi o mesmo. De alguma forma escuto o som das cobertas caindo no chão, no quarto das crianças, e na hora levanto cobrir exatamente a criatura que derrubou as cobertas. Pode chamar de intuição, mas para mim é natureza agindo perfeitamente, essas mudanças em nosso padrão de sono quando viramos mães, a ciência explica. Me acompanhe a seguir.

A gravidez é um período no qual nosso corpo experimenta grandes mudanças, estas acontecem em vários níveis: físicas, fisiológicas e neurológicas. Insônia e curta duração do sono foram assinalados em vários estudos como situações muito comuns nas mulheres antes e após a gravidez ( Sivertsen B, et al. 2015, David Richter, et al, 2019 ). A curta duração do sono, dificuldade de adormecer ou perda seção no no meio da noite, são considerados fenômenos comuns durante a gravidez e no período pós-natal. O primeiro trimestre é tipicamente caracterizado por um aumento no tempo total de sono e sonolência diurna, enquanto a maioria das mulheres grávidas experimentam redução da qualidade do sono e mais despertares noturnos mais tarde na gravidez e imediatamente após o nascimento.

Um estudo de David Richter, et al. ( 2019), mostrou que há uma diminuição da satisfação e da duração do sono nos primeiros meses após o parto por parte dos pais. Nem o sono das mães, nem dos pai, se recuperam totalmente até níveis pré-gravidez até 6 anos após o nascimento do primeiro filho. Aparentemente, casais com mais filhos, tem menos efeitos da perturbação do sono a cada nova gestação. Talvez porque eles já sabem o que esperar (e principalmente o que não esperar). Nesse estudo, o papel de algumas variáveis ​​sociodemográficas e psicossociais não foi investigado em detalhes. Fica ainda a dúvida, até que ponto a idade, número de filhos, as expectativas ou mesmo acesso a informação e orientação, podem desempenhar um papel na percepção de qualidade e satisfação do sono na gestação e pós parto.

Esse sono fragmentado no final da gestação, e nos primeiros meses/ anos de vida das crianças pode nos levar a modificações no nosso sistema de aprendizagem e memória, dois processos cognitivos diretamente relacionados com os ciclos de sono ( Anikó Kusztor, et al , 2019; Robert Stickgold, 2005, Pierre Maquet, 2001). Então, se você já entrou num cômodo e esqueceu o que ia fazer nele,  perde coisas constantemente, esquece de compromissos ou datas importante, provavelmente você faz parte das mães (e pais) que tiveram seus cérebros modificados pela maternidade (paternidade).

Qualidade e quantidade adequada de sono, assim como satisfação com o proprio descanso, são essenciais para a saúde mental da mulher mãe (Insana SP, et al, 2013, Andrade RD, et al. 2015). Durante as fases de sono profundo nosso corpo produz hormônio de crescimento (que nos rejuvenesce) e leptina (que nos ajuda controlar o apetite). Adicionalmente, o descanso adequado é essencial para um sistema imunológico saudável. Ciclos de sono muito curtos, tempo de sono insuficiente, de forma crônica, podem deixar a mulher suscetível a sintomas de depressão, aumento de peso e com seus sistema imunológico frágil (sendo mais susceptívei  infecções mamilares, viroses e outras doenças p.e).

A natureza criou o desenho perfeito, um sistema que permite acompanhar a evolução neurológica do sono infantil, com a modificação do sono materno. A criança não vai conseguir dormir noites completas, de forma rotineira, até seus mais ou menos 2 anos, mas não há nenhum problema nisso, o cérebro materno e paterno, estão modificados, e em constante mudança, para acompanhar esse desenvolvimento do bebê. Não é raro, os bebês de 2-3 meses que passam por fases de 2-5 noites de sono longo (6-7 hs) cujas mães relatam acordar assustadas, e não conseguir dormir novamente até o bebê ter mamado. Também não é raro descobrir mães, que enquanto seus bebês são novinhos, se satisfazem com 3-4 horas de sono seguidas, ficando revigoradas e felizes, mas que depois, com 1-2 anos da criança, as mesmas 3-4 horas são insuficientes, e ficam exaustas ao longo do dia. A mesma mulher-mãe, com um cerebro com necessidades de sono bem diferentes, mudando conforme seu filho amadurece.

São bem comuns os relatos que nem aquele do começo do texto, onde a criança dorme lindamente, mas nós, mães, ainda acordamos no meio da noite, tendo ciclos de sono mais curtos e leves, em resposta à nossa necessidade de cuidado. Me resta esperar para ver se quando meu caçula completar seis anos, meu cérebro vai me deixar dormir 8 h, sem sentir a necessidade de me levantar cobrir os pezinhos gelados no meio da madrugada.

Uma medida de prevenção, para evitar as dificuldades e diminuição da satisfação do sono materno e paterno, sugerida através desses estudos, é o aconselhamento e apoio fornecidos para os  novos pais, lhes permitindo se preparar não apenas para o parto, mas para o gerenciamento de suas expectativas de sono pós-parto, incentivá-los tomar precauções para reduzir os riscos dos efeitos da fragmentação do sono e privação. Ou seja, se os novos pais sabem o que pode acontecer, e o que podem esperar realmente do sono do bebê e do seu descanso, ficam menos susceptíveis a preocupações desnecessárias, com o que serão capazes de identificar e solucionar as dificuldades oportunamente, melhorando a percepção da qualidade e satisfação com o seu próprio descanso.

Referências

Sivertsen B, et al.  Trajectories of maternal sleep problems before and after childbirth: a longitudinal population-based study. BMC Pregnancy Childbirth.  2015;15:129.

David Richter, et al.  Long-term effects of pregnancy and childbirth on sleep satisfaction and duration of first-time and experienced mothers and fathers. Sleep, Volume 42, Issue 4, April 2019.

Insana SP, et al.  Sleep disturbance and neurobehavioral performance among postpartum women. Sleep . 2013;36(1):73–81.

Andrade RD, et al.  Fatores relacionados à saúde da mulher no puerpério e repercussões na saúde da criança. Esc Anna Nery 2015;19(1):181-186.

Anikó Kusztor, et al.  Sleep deprivation differentially affects subcomponents of cognitive control. Sleep, Volume 42, Issue 4, April 2019, zsz016.

Robert Stickgold. Sleep-dependent memory consolidation. NATURE. Vol 437. 27 October 2005.

Pierre Maquet. The Role of Sleep in Learning and Memory. Science 294, 1048 (2001)

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Texto de Zioneth Garcia

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