O presente que merecemos as mães

O dia das mãe sempre me deixa um pouco azeda.  Porque vamos combinar gente, chega maio e tudo é lindo, lojas em rosa, em vermelho, com florzinhas e corações. Enaltecendo as maravilhas da maternidade, enquanto os problemas reais das mães se jogam para debaixo do tapete, e são ignorados sistematicamente. Ainda mais nesses últimos anos, onde as dificuldades que as mulheres enfrentam ao cuidar dos filhos vem sendo cada vez menos valorizadas e invisibilizadas, através de modas como “child free” , “mãe de pet“, e mais recentemente, a sobre carga materna com “homeoffice” , fora o constante desmonte de politicas públicas dirigidas à primeira infância, tendência em toda latinoamérica.  Será que sou só eu que me incomodo com tanta hipocrisia?

O marketing geral se foca em como a mãe é maravilhosa, ser mãe é tudo de bom, que a vida de mãe é sempre uma maravilha, e mães merecem o melhor. Aparecem os vídeos fofinhos de aguar os olhos, bebezinho dizendo mãe, a criança crescendo e se tornando mulher ou homem de “bem” o lado da sua mãe, é texto inspirador dedicado ao sacrifício eterno que, nós mães, fazemos diariamente pelo bem de nossos filhos. Somos bombardeadas por todos os cantos, mídias sociais, no motor de busca do navegador, no jornal, panfleto de mercado, até desenho animado! Socorro, não aguento mais tanto bombardeio enaltecendo o maravilhoso mundo materno e a santidade de nossos sacrifícios.

Foto por Skylar Kang em Pexels.com

Nós mães da vida real sabemos que é tudo fachada. Mãe é legal, desde que fique na sua casa, não na loja, não no banco, nem no restaurante, nem na minha empresa.  Adoraria saber quantas dessas empresas, que nos bombardeiam de publicidade ou até mesmo das cabecinhas que criaram tais campanhas, realmente entendem e respeitam as mães? Não apenas a própria mãe, mas todas as outras ao seu redor, a esposa, a irmã, a colega de serviço, a colega de faculdade, a vizinha, a mulher na rua, no ônibus. Quantos desses queridos são capazes de sacanear com a gente toda vez que podem? Olhando torto quando se entra na fila preferencial,  fingindo estar dormindo quando entra gestante ou mãe com bebê de colo no ônibus ou metrô lotado, apoiando quem defende que mulher merece salario menor por virar mãe (já que fica menos produtiva por cuidar dos filhos), deixando desconfortável ao olhar com desdém a mãe que amamenta em público ou que leva a criança para fazer qualquer trâmite, barrando a entrada da mãe que se vê na necessidade de levar o filho ao trabalho por não ter com quem deixar.

Quantas dessas empresas estão mudando horários para que suas funcionarias consigam atender a demanda das escolas EAD de seus filhos nesses tempos de pandemia? Quantas demitem suas funcionárias 1 mês após voltar licença maternidade ou fazem de tudo para forçar um pedido de demissão? Quantos mudam o tratamento com a colega de trabalho ou assistem passivamente aos maus tratos aos que ela é submetida na sua volta da licença maternidade? Quantas dessa empresas exigem a pergunta sobre filhos na entrevista de seleção de funcionários, apenas para eliminar como candidata qualquer mãe? Quantos desses criativos falam para a irmã, amiga, conhecida ou para a própria esposa que “ fica em casa cuidando das crianças” como se isto fosse igual a tirar férias em resort de luxo.

Foto por Budgeron Bach em Pexels.com

Ser mãe é um dos maiores e mais importantes trabalhos, temos a responsabilidade do futuro da espécie humana, graças a nós ainda existimos enquanto espécie, graças a uma mãe, esses seres que desdenham de nós, mães, estão andando sobre este planeta. Carregamos a responsabilidade de procriar e moldar a próxima geração, de perpetuar uma cultura e a ordem social que a sustenta. Mesmo assim as mães somos as mais esquecidas e danificadas na maioria da áreas.

Nessa crises adivinhem quem está sobrecarregada sacrificando a sanidade mental para manter o emprego, os cuidados com as crianças e a casa? Quem está com dificuldade de achar uma vaga de trabalho?  Pois é, a corrente sempre quebra pelo elo mais fraco, e nisso mulheres que são mães são as primeiras a partir para o abate no competitivo mundo do mercado de trabalho.

Foto por Keira Burton em Pexels.com

O dia das mães é lindo, merecemos mesmo uma celebração porque somos foda! (por falta de palavra melhor). Temos dupla – tripla jornada, casa, trabalho, filhos e ainda fica tempo para dar um apoio moral na colega recém mãe. Sem direito a ferias, finais de semana nem atestado médico, a gente é mãe 24 horas por dia, 7 dias por semana faça chuva ou faça sol, com viroses ou sem viroses.

Não vou negar que adoro receber presente e aproveitar os descontos quando dá (quem não gosta?). Amo ser mãe, não consigo mais me ver sem os meus filhos, mas detesto ver como sendo mães sofremos preconceito em todas as áreas de nossa vida: profissional, acadêmica, social, doméstica. Eu não quero viver sendo mártir, quero trabalhar, educar meus filhos, participar da vida pública e da vida familiar sem ter que abrir mão de uma ou outra coisa. 

Precisamos parar de achar que maternidade é sacrifício. Quando a gente acha que se sacrificar é natural, o mundo fica à vontade de nos ferrar, e faz isso constantemente.   Precisamos parar de nos colocar no lugar de mártires, começar a pensar mais em nós mesmas, no que queremos, precisamos e nos traz felicidade. Sair ao mundo e exigir o que por direito é nosso. Vai ser saudável não apenas para nós,   mas para nossos filhos, afinal filhos mães equilibradas e felizes vão ter filhos mais equilibrados e felizes. 

Foto por Andrea Piacquadio em Pexels.com

 Nesse dia das mãe meu desejo é que todas nós tenhamos de presente: consideração, respeito, divisão equitativa dos cuidados da casa e dos filhos.

-Desejo que que aquele ser que desdenha das mulheres mães e que acha que merecemos mesmo ganhar menos, entenda que são nossos filhos que no fim das contas vão sustentar sua aposentadoria.  

-Desejo que aqueles olhares tortos virem mãos que ajudam a carregar a sacola, alcançar um copo de água enquanto se amamenta, abrir a porta ou ceder o lugar no ônibus.

– Desejo que os que acham que a mulher fica menos produtiva após a maternidade sejam capazes de avaliar os resultados e a qualidade do nosso trabalho mais que o número de faltas, a redução de horas extras ou a baixa presença no happy hour.

– Desejo que o cuidado das crianças e do lar seja um trabalho respeitado, e por que não? remunerado. Que os cuidados com os filho e o lar sejam divididos equitativamente entre os pais, para que não precisemos mais nos sobrecarregar.

No próxima domingo é dia das mães, então o show vai continuar, vamos compartilhar o texto inspirador, a musiquinha e o videozinho fofo, só não vamos nos esquecer da vida real, das condições que enfrentamos no dia dia. Vamos celebrar sim, porém também vamos chamar o povo para a reflexão, vamos enxergar as mães além desse manto de santidade e sacrifício que só tem servido para naturalizar o sofrimento. 

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Texto de Zioneth Garcia

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