Essa é minha mãe

Queria muito passar o dia de seu aniversário junto da minha, mas está longe das minhas possibilidades, terei que me conformar com uma vídeo chamada, um feliz dia e um bate papo.  Apesar de longe, sempre penso sobre ela, ao final ela é uma grande parte do que eu sou, enquanto mulher, mas principalmente enquanto mãe.

Acho que nunca senti precisar tanto da minha mãe como quando me tornei mãe, quando nasceu minha primeira filha estávamos longe fisicamente uma da outra, mas isso incrivelmente nos aproximou. Frequentemente me vejo pensando nas inúmeras dificuldades que ela superou, e cada vez a admiro mais por ter passado tanta coisa e nunca desistir, sempre se mostrando forte para nós.  

A primeira filha de uma família de 8 filhos, nem é preciso dizer a sobrecarga de tarefas domésticas que deve ter suportado ainda na infância. Poderia ter fugido em um casamento na adolescência, como era comum na época, mas ela preferiu estudar, ir para faculdade e foi lá que conheceu meu pai e eu cheguei. 21 anos, final de curso na faculdade pública, que enfrentava um processo de reestruturação e extinção de moradias e restaurantes universitários. Mediados dos anos 80,  ela engravidou, de seu namorado também estudante e morador na mesma faculdade. A faculdade fechou um semestre, a residência estudantil acabou, seu namorado ficará sem moradia fixa, e os dois ficaram afastados pela família dela. Preto, pobre, orgulhoso, com certeza nada do que seus pais sonharam para ela. Veio então a primeira grande decisão, ficar na segurança do teto e comida, ou sair de casa arriscar uma vida incerta com a única certeza de dar pai para o bebê que gestava. Ela escolheu a segunda opção! E eu admiro pela sua coragem. Dormir de favor em casa de parentes do companheiro não deve ter sido nada fácil.

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Voltou à faculdade e ela se formou, com um trabalho de conclusão inspirado na sua gestação, recebeu seu diploma de enfermagem com uma bebê de 4 meses esperando do lado de fora. Deve ter sido muito difícil encarar longas jornadas longe da sua bebê tão pequena, sendo amamentada, sua única certeza era que estava sendo bem cuidada pelo pai. Talvez o mais difícil tenha sido encarar todas as adversidades sem poder contar com a própria mãe, pois tinha sido afastada da família desde que decidiu dar um pai para seu bebê.   

Tenho vagas memórias da infância, mas me lembro de correr por longos corredores dentro de um posto de saúde, falando que aquela enfermeira, a chefe, era minha mamãe. Na creche, quase sempre era meu pai a me levar e trazer, mas uma das memórias mais fortes é a de ver minha mãe chegando ao posto de saúde onde tinham me levado quando me acidentei na creche. Me lembro dela me levando no colo no ônibus lotado enquanto meu braço estava imobilizado. Me lembro dela descendo do ônibus porque eu estava passando mal, mesmo tendo o dinheiro contado para as passagens. Lembro bem do dia que teve que me deixar aos cuidados de uma conhecida porque precisava correr para o pronto socorro com meu pai, que tinha sido atacado na rua, e me lembro da calma que senti quando a vi chegar com ele, cheio de bandagens mas andando.

Me lembro do dia que chegou mais cedo na escolinha, para me levar porque tinha ficado sem emprego e em consequência sem a vaga na creche pública. Me lembro dela em casa, cuidando de mim, enquanto meu pai viajava. Lembro de lhe ver cantando feliz enquanto limpava, e de achar sua voz igual à das cantoras famosas.

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Lembro quando me levou à minha nova escola pela primeira vez, e como durante várias semanas ouvia as professoras falar sobre minhas crises de choro durante o dia. Lembro quando conseguiu o novo emprego e a vida mudou. E quando meu pai começou trabalhar em turnos, e a cada 3 semanas eu ficava várias noites sozinha em casa. Lembro dela me ajudando fazer a labor da escola enquanto terminava de se arrumar para sair trabalhar no plantão noturno. Nem imagino o tamanho do aperto do peito que ela deve ter sentido ao não ter mais opção que deixar uma criança de 9 anos sozinha durante toda a noite. Lembro de me aconchegar em seu travesseiro para conseguir dormir até meu pai voltar,  no raiar do sol. Lembro dela me levando nas aulas de patinação no sábado cedo, mesmo quando chegava em casa após da noite de trabalho no hospital.

Lembro do anúncio da chegada de meu primeiro irmão, comendo nosso prato favorito, salada de frutas, e do medo ante a possibilidade de perder-o meses depois. Lembro dela dando de mamar e eu deitada do lado brincando com as mãozinhas do bebê. E lembro da expressão no seu rosto quando me contou que estava grávida de novo, e minha reação não foi lá muito boa. Lembro de começar o trabalho de parto em casa com tanta paz no olhar, se aprontando com movimentos lentos como quem não tinha pressa nenhuma. E depois, lembro dela chorando no seu segundo puerpério, de solidão, de esgotamento. Não deve ter sido nada fácil cuidar de uma pré-adolescente, um bebê de 19 meses e um recém nascido. A vida para ela era solitária, eramos nos cinco, sempre nós. 

Lembro das viagens intermináveis de ônibus para radiografías, ecocardiogramas e avaliações médicas de meus irmãos ainda bebês, das madrugadas em claro monitorando crises respiratórias e das inúmeras idas à emergência. Lembro dela concordar com o pediatra durante a consulta, para depois fazer todo o contrário ao que ele sugeria, porque era o que ela sabia ser o correto para seus filhos.

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Lembro da insistência para que eu tentasse outra faculdade, depois do primeiro fracasso no vestibular, e do orgulho do meu primeiro dia de faculdade, me ajudando arrumar a bota da calça, a mochila e o dinheiro do ônibus. Para depois resistir fortemente à minha partida para o pós-grado fora da Colômbia, mas do orgulho quando consegui a vaga no mestrado, e do choro ao me despedir no aeroporto quando partia fazer o mestrado no Brasil, como quem soubesse que essa seria a saída do ninho.

Hoje, vejo minha filha e eu, e me vejo com ela. Nunca foi de grandes expressões de afeto, mas sabe dar um abraço com um cafezinho, dizer um te amo com chocolate quente, um me orgulho costurando uma roupa para aquele momento especial ou dar uma bronca só com o olhar. Sei que ela não é perfeita, mas a vida que teve também não foi, ela fez e faz o melhor que pode a cada dia. Eu sei disso, aceito isso, e com certeza me orgulho da minha mãe, da mesma forma que me orgulho da mãe que sou para meus filhos.  

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Texto de Zioneth Garcia

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