Já passei por ai duas vezes, e as duas só posso dizer que foi difícil. Cada mulher vive seu puerpério de forma única, porém semelhante, e quem melhor para nos explicar o que tem de tão especial o puerpério que Heloisa, Psicóloga, Dra. em Saúde publica na USP e amiga, que nos conta o que faz tão especial essa fase para vida e saúde mental da mulher.
Texto de Heloisa de Oliveira Salgado
Quando nos vemos grávidas, nos damos conta de que temos muitas coisas a programar: o pré-natal, o parto, a amamentação, o enxoval, o quarto do bebê, e essa lista só cresce a cada ano que passa e que descobrimos novas necessidades criadas pela nossa cultura. Você já ouviu falar de uma festa chamada “chá revelação” para contar o sexo do bebê para amigos e familiares? Ou de festas organizadas dentro da maternidade para logo após o nascimento? Ou a “Festa do irmão mais velho” que acontece após o nascimento do bebê? A cada novo item que entra para a lista das coisas que temos que preparar durante a gestação, nossas tarefas como mãe só crescem e o item mais importante de todos parece ficar de fora: o puerpério, que nada mais é do que o pós-parto.
Mas o que tem de tão especial no puerpério? Tudo!
No puerpério, nosso corpo está vivendo uma explosão hormonal em função do parto e da amamentação e nossas emoções ficam ainda mais à flor da pele do que já estavam durante a gravidez. Podemos saltar da completa felicidade e excitação ao completo desespero e choro no mesmo dia. Dificuldades habituais em se lidar com o bebê tornam-se um desafio enorme e muitas vezes parece que estamos num beco sem saída e entramos em tristeza e desespero. Quem já passou por dificuldades iniciais com a amamentação sabe do que eu estou falando. Além disso, a privação de sono ou o sono entrecortado por choros e mamadas, somado à explosão hormonal, dificultam nosso raciocínio e nosso bom-senso, tornando uma simples tarefa uma maratona: como eu vou conseguir amamentar esse bebê, cozinhar, ir ao banheiro? Não, definitivamente, o puerpério não é um período tranquilo. Mas não se trata somente disto.
No puerpério estamos experimentando a sensação de ser mãe pela primeira vez (ou pela segunda, ou pela terceira vez etc.). Pensando naquelas famílias que estão tendo bebê pela primeira vez, deixamos de ser somente esposa/companheira de nosso marido ou a filha de nossos pais e ganhamos um novo papel: o de mãe.O mesmo ocorre com o marido, que além dos papéis anteriores também vira pai e dos avós que deixam simplesmente de serem pais para se tornarem avós. E esse novo papel traz muitas mudanças nas configurações familiares e vai exigir que todo mundo aprenda a tornar-se mãe ou pai ou avós pela primeira vez. Agora imagina que isso ocorre em meio à dificuldades com a amamentação, noites mal dormidas, recuperação do parto, um bebê que chora e que ainda não sabemos por qual motivo, roupa que se acumula sem lavar, comida que começa a acabar e palpites. Muitos palpites. Por vezes, palpites contraditórios vindo de pessoas queridas e amadas, que querem nos ajudar, mas não conseguem perceber a única coisa que queremos: estar sendo cuidada para que possamos cuidar de nosso bebê e nos recuperar do parto, das noites mal dormidas e superar as dificuldades da amamentação.

Lembram que as mulheres antigamente passavam pela quarentena após o parto? Nada mais era do que um período em que elas permaneciam afastadas da vida social e familiar para serem cuidadas e, assim, poderem cuidar do seu bebê. E é disso que as mulheres modernas de nossa cultura estão precisando: mais do que se preparar para festas e quartos de revista e enxoval, estamos precisando nos preparar para o puerpério: como será a minha rede de apoio após o nascimento para que eu possa me concentrar em descansar, me recuperar, cuidar do meu bebê, aprender a ser mãe do meu filho e me organizar para os meses e anos que virão? Para que isso aconteça, é preciso se organizar para o pós-parto: como eu farei para comer já que dificilmente conseguirei sair para fazer supermercado e cozinhar duas vezes ao dia? Quem me ajudará com a roupa e com a limpeza/organização da casa? Quem será o profissional que irei procurar para me ajudar com a amamentação caso seja necessário (lembrando que o Banco de Leite e as Consultoras de Amamentação são os profissionais ideais! )? Quem eu vou querer ao meu lado me apoiando e cuidando de mim de forma a não atrapalhar ou julgar ou criticar minhas decisões com relação ao meu filho e à minha família? Esses são alguns dos vários temas que precisam ser planejados ainda durante a gestação e que são infinitamente mais importantes do que um enxoval, um quarto de primeira linha ou a organização de festinhas.
O pós-parto é um dos momentos mais delicados da vida de uma mãe. E o motivo de hoje, uma psicóloga, estar abordando esse tema é porque, ao longo do primeiro ano – e até mesmo após -, são inúmeras as mães que chegam ao consultório e aos serviços de saúde exaustas, inseguras, com quadros depressivos, com sua saúde deteriorada, pedindo ajuda. E, quando vamos examinar como está a rotina dessa mulher, observamos que sua rede de apoio é falha: ou porque ela está sobrecarregada ou sem ajuda adequada para os cuidados consigo e com seu bebê, bem como com os afazeres com a casa, com a família, com o trabalho, ou porque sua rede de apoio a julga e a crítica ao invés de apoiá-la, ajudá-la e fortalecê-la. Quando esta mulher possui mais filhos então, a longo prazo, as dificuldades e o próprio diagnóstico de depressão pós-parto aumenta na proporção que aumentam o número de filhos, a baixa renda e a falta de apoio social.
O período do puerpério – que a literatura ainda não conseguiu definir um período exato, uma vez que envolve questões fisiológicas, emocionais sociais – é assunto sério e deveria estar no topo da lista dos itens a se programar. Um puerpério complicado pelos aspectos mencionados acima pode criar dificuldades emocionais de médio e longo prazo para a vida da mulher, do seu bebê, de seu companheira, de toda a família e da sociedade.
Heloisa de Oliveira Salgado

Psicóloga formada pela FFCLRP/USP. Especialista em “Psicologia da infância” pela UNIFESP. Mestre e Doutora pela Faculdade de Saúde Pública/USP. Psicóloga especializada em saúde materno-infantil com ênfase em gestação, parto e puerpério (pós-parto).
Atua no contexto clínico de reprodução assistida, perdas gestacionais e neonatais, depressão na gestação e no pós-parto, estresse pós traumático pós-parto, dificuldades com o puerpério e com a maternidade.
Atende casos de luto perinatal e de violência contra a mulher. Realiza orientação de pais de crianças que estão vivenciando situação de luto. Realiza atendimento em consultório, em domicílio e a distância (online).
Email: maternagem@gmail.com
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