Dos 2 aos 6 anos há uma série de comportamentos na hora de se alimentar que parecem muito comuns entre as crianças. Já vi vários relatos sobre as novas “manias” que aparecem nas crianças nessa idade. Temos os famosos ECAAAAA toda vez que aparece um alimento um tanto diferente dos acostumados, seja por apresentação nova, tempero novo ou ingrediente novo. Já passei por ai também. Imaginem a cena na casa da sogra: almoço familiar, comidinha feita com capricho, todo mundo babando e a criança solta um ECAAA quando a comida chega ao seu prato. Um ECAAA para a comida da vovó!? Agora imaginem os comentários e os olhares! A vontade é de se esconder num buraco, mas não dá, a gente tem que contornar a situação.
Então fui atrás de ver o que acontece com os pequenos que comem super bem e não tinham medo de experimentar de tudo, que de uma hora para outra começaram se mostrar seletivos. Achei no manual de nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria uma explicação excelente, então quero compartilhar com vocês o texto na íntegra:

“O período pré-escolar engloba a idade de 2 a 6 anos, sendo esse um período crítico na vida da criança, onde se torna necessária e importante a sedimentação de hábitos, uma vez que essa é uma fase de transição: a criança sai de uma fase de total dependência (lactentes) para entrar em uma fase de maior independência (escolar e adolescência). Esta etapa se caracteriza por ser um período de diminuição do ritmo de crescimento sendo inferior aos dois primeiros anos de vida (cerca de 2 a 3Kg/ano e 5 a 7 cm/ano), portanto com decréscimo das necessidades nutricionais e do apetite.
Essa fase também se caracteriza por um comportamento alimentar imprevisível e variável: a quantidade ingerida de alimentos pode oscilar, sendo grande em alguns períodos e nula em outros; caprichos podem fazer com que o alimento favorito de hoje seja inaceitável amanhã, ou que um único alimento seja aceito por muitos dias seguidos. Se os pais não considerarem esse comportamento como transitório e reagirem com medidas coercitivas, ele poderá se transformar em distúrbio alimentar real e perdurar em fases posteriores. Por essa razão, é necessário o conhecimento de alguns aspectos importantes da evolução do comportamento alimentar na infância. Na alimentação do pré-escolar, dois traços de personalidade são conhecidos por dificultarem o estabelecimento de uma dieta qualitativamente saudável e variada:
- Neofobia: é caracterizada pela dificuldade em aceitar alimentos novos ou desconhecidos, isto é, a criança nega-se a experimentar qualquer tipo de alimento desconhecido e que não faça parte de suas preferências alimentares.
- Picky/fussy eating: refere-se à criança que rejeita uma grande variedade de alimentos, com uma dieta caracterizada por uma variedade muito pequena. A criança “picky/fussy” ingere baixas quantidades de alimentos com vitamina E, vitamina C, folato e fibras, provavelmente em decorrência do baixo consumo de vegetais.
Apesar de distintos, podem se manifestar de forma associada, dependendo da idade e do meio ambiente. Além da predisposição inerente a personalidade, a maneira como os pais se alimentam tem importância fundamental no comportamento alimentar de seus filhos.
Geralmente, quanto mais neofóbica a criança, mais os pais usam a persuasão, recompensa, contingência, e o preparo de alimentos especiais. As crianças com dificuldades alimentares apresentam tendência de ingerir pequenas refeições e de forma lenta, além de comportamento inadequado no momento das refeições, como recusa alimentar, brincadeiras com a comida, desinteresse para com a comida. Frente a esse perfil do pré-escolar se faz necessária a realização de consultas periódicas de monitoração do crescimento e desenvolvimento e de vigilância de alguns distúrbios nutricionais seja com pediatra ou nutricionista.

Há que se alertar que nesse período observa-se também um aumento das habilidades das funções corporais incluindo a aprendizagem bem como mudanças internas, sendo importante priorizar a qualidade da nutrição. A maturação óssea, a maior capacidade dos sistemas respiratório e circulatório, a habilidade motora (propiciando o uso de talheres), o aumento da resistência física e a maturação do sistema imunológico propicia às crianças melhor qualidade de vida (lazer ativo, atividade física dirigida, sono, aprendizagem entre outros). Na idade dos três anos, todos os dentes da primeira dentição, ou dentes de leite, já apareceram, e as crianças podem aprender a ingerir alimentos diversificados nas diferentes texturas, amadurecendo dessa forma seu sistema digestório e propiciando ao organismo uma dieta adequada em qualidade e quantidade.
Lembra-se alguns aspectos importantes da evolução do comportamento alimentar na infância:
- Crianças em fase de formação do hábito alimentar não aceitam novos alimentos prontamente. Essa relutância em consumi-los é conhecida como neofobia (aversão a novidades). Isto é, a criança nega-se a experimentar qualquer tipo de alimento desconhecido e que não faça parte de suas preferências alimentares. Para que esse comportamento se modifique, é necessário que a criança prove o novo alimento em torno de oito a dez vezes, mesmo que seja em quantidade mínima. Somente dessa forma ela conhecerá o sabor do alimento e estabelecerá seu padrão de aceitação.
- O apetite é variável, momentâneo e depende de vários fatores, entre eles, idade, condição física e psíquica, atividade física, temperatura ambiente, ingestão na refeição anterior. Criança cansada ou superestimulada com brincadeiras pode não aceitar a alimentação de imediato; no verão, seu apetite pode ser menor do que no inverno.
- O apetite pode diminuir se na refeição anterior a ingestão calórica foi grande; ele é regulado pelos alimentos preferidos da criança, sendo estimulado pela forma de apresentação da alimentação (cor, textura e cheiro).
- Os alimentos preferidos pela criança são os de sabor doce e muito calóricos. Essa preferência ocorre porque o sabor doce é inato ao ser humano, não precisa ser “aprendido” como os demais sabores. É normal a criança querer comer apenas doces; cabe aos pais, portanto, colocar os limites de horário e de quantidade.
- A criança tem direitos fundamentais na sua alimentação, como o de ingerir a quantidade que lhe apeteça, o de ter preferências e aversões e o de escolher o modo (utensílios) como o alimento lhe é oferecido.
- A criança possui mecanismos internos de saciedade que determinam a quantidade de alimentos que necessita, por isso deve ser permitido a ela o controle da ingestão.”
Faça da hora de comer um momento de prazer para seus filhos. Uma abordagem usando a disciplina positiva pode ajudar muito para incentivar a boa alimentação e trazer mais leveza nas refeições. Lembre que a refeição familiar é também uma oportunidade para fortalecer o vinculo afetivo.
Em caso de dúvidas sobre a nutrição de seus pequenos, procure a ajuda de um profissional, pediatra ou nutricionista materno infantil.
Tomado de Sociedade Brasileira de Pediatria – Departamento de Nutrologia. 2018. Manual de Alimentação: orientações para alimentação do lactente ao adolescente, na escola, na gestante, na prevenção de doenças e segurança alimentar / Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Nutrologia. – 4ª. ed. – São Paulo: SBP, 50 -51 . Disponível aqui
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Compilado por Zioneth Garcia