Esse é um relato de caso, de algum tempo atras, guardo comigo porque com ele aprendi olhar o contexto e as particularidades da família acima dos modelos ideais de sono infantil. Ele me ensinou que aquela fome que muitos acreditam que não deixa a criança dormir, pode ser fome emocional, necessidade de presencia física e interação.
Fui procurada por uma mãe com sérios problemas para manter o ciclo de sono noturno em seu filho. De dia o bebê, de 10 meses, parecia ter uma rotina boa, com dois sonecas diurnas, refeições regulares, comendo e mamando adequadamente. O problema era a noite, o bebê dormia cedo mas acordava frequentemente após as 23 hs, em períodos que oscilavam de 40 min até 2 hs, chegando incluso se manter acordado por um longo período de madrugada. O que é claro tinha esgotados seus pais.
Após uma pesquisa da rotina familiar, ficou evidente que tínhamos um problema de ajuste dos conhecimentos à realidade da família. A mãe estudava bastante, leu vários livros e textos sobre o sono, na procura de uma solução para seu problema. Com isto tinha conseguido uma rotina mais ou menos rígida, com horários certos para ir para cama, não muito tempo após do por do sol. Porém, uma variável estava sendo esquecida da sua análises, O PAI.
O papai morria de amores pelo seu pequeno, e o sentimento era mútuo, o bebê ficava muito entusiasmado ao ver ou ouvir o pai. Mas como é comum em muitos lares, o casal teria optado pela mãe ficar em casa por um tempo, até o bebê estar maior e então poder frequentar uma escolinha. Isto significou que o pai, comerciante e autônomo, aumentou sua jornada de trabalho consideravelmente para garantir o sustento da família. Todos os dias saia 6hs da manhã e volvava entre 21-22 hs.
Quando confrontamos a rotina do bebê com a rotina do pai, vimos que estas se encontravam em conflito. O casal estava insatisfeito, pois também não conseguiam ter um tempo para eles, o pai reclamava que por mais que ele se esforçasse em chegar cedo (até 21hs) sempre encontrava a esposa e o filho dormindo. Assim, ele optou por ter a noite e madrugada o tempo para criar o vínculo com seu pequeno. Passou a dormir no quarto do bebê, para lhe acudir prontamente nas inúmeras acordadas, chegando passar varias madrugadas acordado junto do bebê. Estava claro que era assim que conseguiam matar a saudades um do outro. A mãe sempre colocava o bebê para dormir até às 19 hs, mas a noite era cheia de acordadas, com a sucção como única forma para adormecer (de chupeta e do seio), e apesar dos esforços do pai para garantir o descanso da esposa, no final todos dormiam mal. O pai saia para trabalhar enquanto mãe e filho permaneciam a dormir até as 9 ou 10 hs (para compensar a noite ruim).
A proposta da consulta foi sincronizar a rotina familiar, ajustando os horários do bebê permitindo que aumentasse o tempo de convívio entre pai e filho diariamente. Começamos correndo o despertar gradualmente até chegar para as 07:30, com o que pode aproveitar o sol da manhã e tomar mais uma refeição de manhã, continuamos mantendo intervalos regulares entre sonecas. Porém, contrário ao que se espera para a idade, no lugar de manter as 2 sonecas, acrescentando mais uma soneca no começo da noite, para que ele acordasse 30 min antes do pai chegar, assim, poderia acompanhar uma ceia em família e brincar com o pai, sendo o pai o responsável por conduzir a maior parte da rotina de sono noturno.
Teve compromissos de ambos pais. De um lado, o pai se comprometeu chegar mais cedo, até as 21 hs, para possibilitar a ceia familiar, brincar com a criança e conduzir o roteiro de sono do seu filho para lhe ajudar adormecer até umas 22:30 hs. De outro lado, a mãe começaria acordar mais cedo, independente da noite (podendo dormir de dia com o bebê), e conduziria uma terceira soneca às 19hs, fora do quarto, para que o bebê não assumisse que este seria o sono noturno.
Além de rotinas sincronizadas, onde o bebê tivesse tempo para brincar com seu pai todos os dias, também foi necessário utilizar várias ferramentas (que a mãe já tinha) na hora certa, para ajudar o bebê acalmar, relaxar e adormecer, lhe permitindo ter despertares curtos que foram desaparecendo gradativamente, o que permitiu que o pai voltasse ao quarto do casal. O pai continuo acudir o bebê na madrugada, o que foi cada vez menos requisitado, mas com uma nova atitude, mantendo o mínimo de interação, oferecendo consolo e calma com toque, contato físico e voz suave, sem longas conversas nem brincadeiras.
Foi um processo gradual, todos, mãe , pai e filho, aprenderam novas formas de se relacionar, se acalmar e adormecer. Ajustamos a rotina do bebê à rotina familiar. Foi um jogo de puxar e empurrar, testar e testar, até encontrarem um equilíbrio onde a vida familiar ficou mais leve. Após uns meses, a mãe me escreveu agradecendo, o casal voltou se entender, com uma vida mais tranquila, aceitando os desafios das pequenas fases de crescimento, com uma nova forma de encarar as acordadas noturnas, tornando-as breves nas raras vezes que aconteciam, sem ter as preocupações do cansaço acumulado.
Apesar das evidências científicas sustentar a existência de horários melhores para as crianças ir para cama, com intervalos de ciclos de sono ideais, e formas determinadas de adormecer. Não podemos esquecer que estes são modelos ideias, e que no nosso dia dia existem inúmeras variáveis a serem consideradas. Devemos aproveitar a informação disponível, sem nos esquecer de viver nossa vida procurando a leveza das relações interpessoais, a tranquilidade e equilíbrio da vida familiar.
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Texto de Zioneth Garcia.