O desafio de amamentar hoje

As mães de hoje, somos as netas da geração da mamadeira, chupeta e fórmula infantil naturalizadas; E hoje, cabe a nós a responsabilidade de amamentar nossos filhos, com pouquíssimos exemplos bons de amamentação, muita informação científica disponível sobre os benefícios de amamentar, pouca vivência direta à nossa volta e um enorme peso sociocultural jogando contra. O desafio das mães que querem amamentar hoje é enorme: Resgatar a amamentação como um vínculo afetivo e um comportamento (natural) para alimentar nossos filhos, ao tempo que aprendemos fazer direito e lidar com as expectativas.

Amamentação no tempo

Na antiguidade, a filha ajudava a mãe com seus irmãos enquanto a mãe amamentava o mais novo, quiçá tenha até sido amamentada em tandem junto com algum de seus irmãos, ou mesmo tenha sido ajudante na casa da tia, prima, vizinha ou parente próximo, cuidando das crianças maiores ou das tarefas domésticas enquanto a recém-mãe cuidava e amamentava o recém-nascido. Antes morávamos em verdadeiras comunidades onde a vizinha (geralmente parente) se dispunha a ajudar trazendo um almoço ou café da tarde para a mãe recém-parida ou mesmo cuidando dos filhos mais velhos por algum período. Dessa convivência com mães e bebês, ficou o contato e a lembrança da amamentação real, aquela que tem erros e acertos, que faz chorar e sorrir; sendo assim, no momento de amamentar os próprios filhos já existe uma ideia preexistente e um padrão de comportamento a ser imitado.

Em algum momento da primeira metade do século XX esse padrão de comportamento sofreu mudanças importantes. As mulheres foram ficando sozinhas em suas casas sem ajuda com as tarefas domésticas ou filhos mais velhos, ao tempo que a mamadeira com leite de artificial e a chupeta apareceram como uma solução mágica para “ganhar tempo” nos cuidados com o bebê e poder fazer tudo o que precisa ser feito. E então aparece a ideia de que amamentar é coisa de pobre, porque são eles que não podem pagar pelo leite artificial, e a mamadeira e a fórmula viram símbolos de posição social e poder econômico. Implicitamente, ao substituir a amamentação pelo aleitamento artificial, rebaixamos a amamentação a uma necessidade puramente física, achamos que o bebê apenas precisa “encher a barriga e sugar para se acalmar” e o reduzimos a um tubo digestivo que chora apenas quando está com fome, cólica, gases, refluxo ou cocô.

Foto por Victor Candiani em Pexels.com

Esquecemo-nos completamente dos componentes afetivos da amamentação e em alguma parte do caminho esquecemos que amamentar é mais uma forma de ter um vínculo afetivo entre duas pessoas, a mãe e o bebê (é claro que não é a única). Deixamos de lado as necessidades afetivas do bebê, convertendo-os em seres cheios de “manhas” que devem ser deixados a chorar e abandonados num berço até “aprenderem” a não incomodar, porque o colo estraga, acolher o choro mal acostuma e amamentar vicia.

É nesse panorama que nossas mães e algumas avós cresceram, muitas desmamadas cedo e abruptamente, tomaram mamadeira e usaram chupeta (já que era o mais normal) da mesma forma que viram que seus irmãos, primos e amigos faziam dessa maneira; acreditando firmemente que na sua vez de virarem mães o certo a fazer seria dar chupeta e mamadeira o antes possível, para não correr o risco de o bebê sofrer quando o seu leite materno “secar, ficar fraco ou diminuir”. O natural virou bizarrice e o artificial foi naturalizado e se tornou um símbolo de nossa cultura.

Amamentação
Online

Amamentar hoje

Amamentar é natural, quanto à isso não existe discussão. As mulheres têm mamas, estruturas desenvolvidas especialmente para cumprir a função de alimentar os filhos. Porém, é pouco mencionado o fato que amamentar é um comportamento e como todo comportamento precisa ser ensinado e aprendido. Então, nosso desafio é duplo, precisamos resgatar o valor da amamentação ao tempo que aprendemos a amamentar. Para isso, é necessário preparar nossas almas para acolher amorosamente e sem preconceito esse novo ser, estando dispostas a oferecer o que ele precisar: colo, carinho, proteção e alimento. Preparar nossas cabeças com informações embasadas longe da mitificação e mentiras que levaram à naturalização das mamadeiras, chupetas e leite artificial ao longo de décadas, mentiras que só dificultam a amamentação. Preparar nossa rede de apoio para que as pessoas ao redor possam ser de fato um apoio e respeitem as decisões em torno da alimentação e criação de seus filhos, o que pode se tornar um exercício de autoafirmação como mulher e principalmente como mãe.

Amamentar hoje é um desafio e tanto, por isso não é fácil fazer sozinhas, precisamos perder o medo de procurar ajuda, conhecer e selecionar as pessoas e os profissionais capazes de nos ajudar nas dificuldades e principalmente termos consciência das consequências de nossas escolhas antes mesmo de se jogar de cabeça nelas.

Amamentar é uma tarefas de todos nós, como espécie, como mamíferos,  por isso,  não é justo julgar ou apontar o dedo de forma inquisidora contra a mãe que por qualquer razão não consegue amamentar, amamenta por curto tempo ou apenas não o faz conforme todas as orientações de órgãos promotores de saúde mandam. Não podemos esquecer que são muitas variáveis e fatores influenciando direta e indiretamente o sucesso ou insucesso da amamentação de cada dupla. O sucesso na amamentação de uma criança é mérito completamente da mãe, já o insucesso jamais pode ser atribuído apenas a ela, uma amamentação perdida é responsabilidade da comunidade que formou essa mãe, dos profissionais que lhe orientaram ou não,  e em ultimas do contexto sociocultural no qual se desenvolve a dupla.

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*Texto original de Zioneth Garcia

Referências

Carlos Gonzalez. 2015. Manual Prático de aleitamento materno. Edição português. Editora Timo

João Aprígio Guerra de Almeida, Romeu Gomes. 1998. Amamentação: um hìbrido natureza – cultura. Rev. Latino-Am. Enfermagem vol.6 no.3. 71-76.

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