Entender e ajudar as crianças a superar seus medos

A fase de medos começa assim que cada um descobre e consegue falar a palavrinha “medo”, para a maioria isto acontece em algum momento entre 2 e 4 anos. Uma das coisas que percebi é que o comportamento dos adultos fica  diferente quando a criança fala “tenho medo de…” automaticamente queremos proteger a criança, lhe ajudar se sentir segura lhe protegendo do objeto do medo, começamos fazer compensações comportamentais, mudando rotinas familiares, e inconscientemente acabamos vivendo em função daquele medo, e acabamos o alimentando. Nesse texto trago algumas considerações para ajudar a enfrentar e superar os medos das crianças.

O medo é uma emoção fundamental que serve como um alerta de perigo, influenciada por fatores como idade e cultura. Ele pode nascer da insegurança, desconhecimento e percepção de ameaça potencial.  Sentir medo é a forma que o corpo se prepara para responder a alguma possível ameaça ou perigo. Há um aumento do estresse, o cérebro libera hormônios como adrenalina e cortisol na corrente sanguínea, para garantir assim um aumento da pressão sanguínea, da frequência respiratória e dos batimentos cardíacos, alterações que buscam aumentar as chances de sucesso num possível confronto com a ameaça, já que o corpo se prepara para lutar ou fugir.

O medo pode se manifestar de diversas maneiras, como sintomas físicos: tremedeira, boca seca, mandíbula tensionada, rigidez corporal, enjoo, ou mesmo dores em algumas partes do corpo.  Porém,  também pode ser percebido como uma voz interior dizendo que algo é perigoso, não vai dar certo ou que não será capaz de realizar. 

Antes de mais nada precisamos entender que o medo é criado dentro da mente das crianças e, por mais que tentemos evitá-lo ou ignorá-lo, não conseguiremos lhes ajudar a acabar com ele sem alterar a crença que alimenta esse sentimento.  Acolher o medo de nossos pequenos é tão importante quanto ajudar-los a superar . Ajudar a criança na regulação do medo é essencial para que não se torne paralisante, é preciso guiar no caminho de descobrir a própria coragem para enfrentar e superar o medo.

Por aqui, já lidamos com medo de ir para escola e apanhar dos coleguinhas, medo de monstros, medo da privada, medo de machucar-se nas atividades, medo de viajar de carro, medo de pesadelos, medo de não ter amigos na escola, medo de perder os pais, medo de animais de estimação, e na pandemia medo de algum familiar ficar doente ou morrer. A forma como esses medos eram expressados variava muito, e agora quero trazer algumas orientações que podem ajudar a lidar com o medo que seu filho está manifestando ai na sua casa, da mesma forma como conseguimos superar por aqui.  A comunicação clara , o acolhimento empático e a constância são as ferramentas mais importantes no manejo do medo das crianças.

O primeiro a fazer para lidar com o  medo das crianças é pesquisar a sua origem. Pode ter sido uma ideia que apareceu na escola em conversa com outras crianças:  bruxas, fantasmas, lobo mau, monstros, etc.  Pode ser uma ideia colocada inconscientemente por um adulto, ao ouvir uma conversa ou assistir um desenho ou programa não apto para a idade da criança. No caso da sua criança não conseguir verbalizar, observe com muita atenção e avalie quais e quando aparecem os sintomas do medo, tente descobrir algum padrão: acontece dentro ou fora de casa? Em quais situações ou locais o medo se manifesta? Como o corpo da criança manifesta esse medo: fica paralisado, faz suar suas mãos, ter vontade de fazer xixi, quer fugir, fica violento?

Uma vez descoberta a causa do medo, passe a validar os sentimentos da criança, evite tirar sarro ou desvalorizar, mesmo coisas que para nós adultos podem parecer bobas, para a criança está acionando seu centro de estresse. Acolha e dê nome ao medo, mostre que não tem problema sentir, porém, deixe claro que irão trabalhar juntos para gerenciar e superar esse medo.

Para  se conectar de forma empática com sua criança, contar histórias da sua infância, anedotas onde você mãe ou pai, superaram algum medo pode ajudar. A ideia é trazer a percepção que os medos existem, acontecem com todos nós , que podem ser enfrentados e superados. Se sua criança já passou por alguma situação na que sentiu medo e superou, pode ser trazido também como relato para reforçar que medos podem ser superados. Situações como exames de sangue, vacinas, subir sozinho num  brinquedo mecânico, etc, podem ser úteis.

Tente antecipar e preparar a criança antes de enfrentar das situações, locais ou pessoas, que você sabe (ou suspeita) que detonam o medo, explicando claramente para onde vão e o que poderá encontrar lá e como irão lidar com o medo juntos. Combinem alguma forma para que a criança possa expressar o medo, mesmo que não consiga falar,  como apertando sua mão ou dando beliscadinhas; ao tempo que estabelecem  possíveis respostas que poderá receber para se sentir acolhida, toque, abraço, carícia, colo, respiração controlada, etc.

Desconstrua a insegurança que leva ao medo trazendo experiências, histórias e brincadeiras que recriam as situações problemas, dessa forma poderá preparar o cérebro da criança para as situações que enfrentará, antes que aconteçam, atenuando assim os picos de estresse que vivência nessas situações.  

A repetição é outra parte fundamental do processo, até os 4 anos a consolidação da memória está amadurecendo, depois a memória começa a ser consolidada, porém, é bastante seletiva, com o que experiências consideradas desagradáveis podem ser facilmente esquecidas. Assim, para superar o medo é importante expor a criança à experiência, conversando, acompanhando, antecipando e planejando cada abordagem. Mesmo que uma vez tenha sido tudo bem, é preciso continuar reforçando o manejo do medo, até que o objeto do medo não acione mais a resposta de estresse, fugir ou lutar, e a criança não manifeste mais os sintomas do medo que você observou.  

Três situações de medos superados com sucesso


Medo de médicos: na minha primeira filha surgiu depois de várias experiências com atendimentos desagradáveis, com muito desrespeito e dor. A solução que encontrei foi brincar de médico com ela, simulando várias e várias vezes tudo que aconteceria na consulta, até mesmo os exames de sangue. Na hora das consultas, explicava o passo a passo do que iria acontecer, criava expectativa sobre ver os instrumentos de verdade que seriam usados, e combinamos uma forma dela mostrar seu incômodo, apertando minha mão bem forte, e assim eu poderia pedir para o médico parar. Durante as consultas eu pedia para os médicos deixar ela pegar algum instrumento, mas principalmente fui o porto seguro dando voz a ela , avisando para parar quando algum exame era dolorido e ela apertava minha mão. 

Medo de viajar de carro: quando minhas crianças estavam com 5 – 7 anos nos envolvemos num acidente de carro viajando de Joinville para Curitiba, ninguém teve machucados sérios, mas o carro deu perda total. Desde então, cada viagem de carro era muito difícil principalmente para meu caçula, carinha de choro, muita resistência e até tentativas de sabotagem. Depois de muita conversa, mostrando que os pais também tinham ficado com medo, deixando claro que pegar estrada era inevitável para nós, criamos juntos várias estratégias:  começamos a fazer oração em família antes de sair, acompanhava o pai a fazer as revisões do carro antes da viagem (calibrar pneu, gasolina, etc), escolhíamos juntos algum podcast de histórias ou curiosidades divertidos para ouvir durante a viagem, escolhia lanchinhos para comer durante o trajeto. Foi desafiador, até mesmo porque nos adultos também estávamos cheios de medo. Mas aos poucos viajar voltou a ser uma experiência prazerosa para a família.  

Medo de cachorro: aos dois anos minha filha foi mordida pelo cachorro de um vizinho que mesmo dentro da sua casa, conseguiu fugir pela grade, foi o suficiente para que a partir de então a menina entrasse em pânico sempre que avistava um cachorro de longe. Se desesperava, pedia colo, gritava até chorar. No começo ignoramos, evitávamos locais com cachorros, cedíamos ao pedido de colo. Porém, um alerta se acendeu quando o irmão, sem nenhuma experiência anterior, começou a manifestar as mesmas reações ao ver cachorros, ele refletia o desespero da irmã, e pior, o medo começo lhes limitar, não iam na casa de amigos que tinham cachorro, por exemplo. Começamos a aproximar as duas crianças de animais de forma mais controlada, visitando filhotes em feiras de adoção,  conversando dos cachorros que pai e mãe tivemos na infância, e por fim, adotamos um filhote que está conosco até hoje. Se envolveram ativamente nos cuidados desde sempre, agua, comida, banho, brincadeiras. Hoje amam seu cachorro e o medo foi completamente superado. 

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Texto original de Zioneth Garcia

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