Quando começamos a questionar a educação tradicional, que entende que educar as crianças é fazer com que elas façam o que precisa ser feito de qualquer forma, mesmo que isto signifique fazer uso de violência (física ou psicológica), é inevitável questionarmos a conceição social da criança. Assim, ao tentarmos o caminho da educação sem violência esbarramos em vários mitos e crenças sobre como as crianças deveriam ser. Nesse texto quero explorar quatro deles:
1- Criança bem comportada é quietinha, calada e obediente
Um dos grandes desafios da educação sem violências é acolher as crianças e suas necessidades dentro de um mundo adulto cheio de exigências, que nem mesmo adultos conseguimos cumprir. Ficar tranquilas quando desconfortáveis, em silêncio quando incomodadas ou quietinhas quando sentem necessidade de se movimentar.
Crianças saudáveis física e emocionalmente são barulhentas, agitadas e ativas. São cheias de vida! São completamente sinceras frente ao que estão sentindo, vendo e vivendo. Estão conhecendo o mundo, e as pessoas nele. Eles vão informar através de seu comportamento tudo o que estão sentindo. A empolgação e a felicidade, o tédio, o cansaço, as percepções das pessoas ao redor.
Nos primeiros anos de vida o controle emocional está se construindo, desde uma base fisiológica que gradualmente irá edificar os processos cognitivos. As crianças não sabem guardar segredos, ela vai dizer para aquele parente inconveniente exatamente o que você diz dele na frente e seu filho. Elas não escondem seu desconforto, vão chorar a todo pulmão no meio do supermercado se for preciso.
O problema não é seu filho ou filha ter comportamento de criança. É o mundo esperar das crianças um comportamento de adulto. Sem lhes dar o tempo nem o espaço de aprender, crescer e se desenvolver.

2- A criança manipuladora
O choro das crianças, seus comportamentos impulsivos ou as respostas explosivas são comumente tratadas como formas de manipulação, dando a elas uma capacidade cognitiva além das suas capacidades. Temos a ideia adulto centrada que todo é sobre nos, que o mundo da criança gira ao redor de nossas vontades e desejos.
Os comportamentos das crianças que nos aborrecem tem muito mais a ver sobre o que acontecem com eles, dentro de seu mundo, do que sobre o que o adulto quer ou não. O controle emocional, assim como o raciocínio lógico, se formam num processo gradativo, influenciado por fatores ambientais e determinantes biológicos. O exemplo, assim como as atitudes (e predisposição) dos cuidadores, tem uma função central para a criança assumir controle sobre seu comportamento.
Uma criança expressando sua fome, sua raiva , seu desconforto ou suas vontades com choro, gritos ou comportamentos considerados inadequados no mundo adulto, não está querendo constranger seus cuidadores, ela precisa de ajuda para aprender a lidar com suas emoções.
Acolher a natureza das crianças sem cobrar delas comportamentos além de suas capacidades é um passo enorme na busca de uma educação sem violência.
3- As crianças devem se adaptar ao mundo adulto
Se você recebe na sua casa um visitante querido, e este por qualquer razão não pode andar, se mobilizando com ajuda de cadeira de rodas, você provavelmente vai adaptar a sua casa da melhor maneira possível para que o tempo na sua casa lhe seja agradável. Certamente você consideraria um absurdo pedir para se levantar para ir à mesa na hora da refeição, no mínimo você vai dispor a sua mesa de forma que para esse visitante fique acessível, tentando fazer da refeição o mais agradável possível; assim mesmo, para que essa pessoa possa se mover com liberdade até o banheiro ou a sala você tentará levantar e tirar do caminho as coisas que podem lhe oferecer risco de queda ou machucados. Se gostamos de alguém a gente tenta sempre ser o melhor anfitrião possível.
Com crianças não deveria ser diferente, elas são pessoas completas e complexas, com necessidades especiais graças às habilidades físicas em pleno desenvolvimento. O seu equilíbrio, o senso de perigo, as habilidades motoras finas e o controle emocional estão apenas em formação, pedir autocontrole e domínio corporal pleno de uma criança pequena é tão absurdo como pedir para o cadeirante se levantar para passar pelo meio da sala andando. As crianças certamente aprendem que a porcelana é um item querido e valioso da casa dos avós, porém, pedir a um bebê que aprende andar não tocar nos objetos que pela primeira vez consegue alcançar é exigir dela algo além da sua capacidade de compreensão e autocontrole.
Não é a criança que deve se ajustar ao mundo adulto, nós, seus pais e educadores devemos lhe ajudar a se encaixar nesse mundo realizando as adaptações que supram as suas necessidades a cada fase de desenvolvimento. Assim como preparamos nossa casa e nosso comportamento para a visita ilustre, devemos preparar nosso lar, os espaços físicos e nosso comportamento para receber e guiar nossas crianças em sua jornada de aprendizagem.

4- Criança não tem querer
Essa frase já ouvi várias vezes, vinda principalmente dos mais velhos. As crianças não podem manifestar suas vontades, seus gostos ou desejos porque isto é visto como malcriação. Tiramos da criança a possibilidade de expressar sua personalidade ao projetar nela os gostos e vontades que achamos que deveria ter.
Não podemos esquecer que crianças são sujeitos de direito, pessoas completas e complexas, que tem uma história biológica e cultural, e assim como nós, o quê a criança precisa, o que gosta e o que deseja vai estar marcado pelas suas necessidades fisiológicas e o contexto no qual se desenvolvem.
Talvez um dos momentos mais marcantes nos que escutamos essa frase é na hora de comer. A partir de um ano de idade é normal começar expressar uma certa seletividade, eles já não comem para nos agradar, mas para se agradarem a si mesmos, e reafirmam sua personalidade constantemente dizendo não às escolhas que fazemos por eles. Os seus gostos vão ficando cada vez mais evidentes, e o nosso papel de educadores é o de ofertar uma alimentação balanceada e ao tempo que persuadimos através de comunicação e exemplo fazer escolhas adequadas para seus corpinhos.
Mais do que impor nossas escolhas para eles, devemos lhes ensinar a fazer escolhas ponderadas, entendendo e enfrentando as consequências boas e ruins que podem enfrentar.
Precisa ajuda?
A consultoria Mães com Ciência pode ajudar com a amamentação, o sono, desmame , desfralde, ajustes na amamentação e educação positiva. Saiba como funciona aqui ou Agende uma consulta virtual aqui
Texto original de Zioneth Garcia